terça-feira, 26 de agosto de 2008

Os Milagres de Santo Antônio Casamenteiro

FACULDADE DE FILOSOFIA DE CAMPOS




Os Milagres de
Santo Antônio “Casamenteiro”.




Autor: Paulo de Almeida Ourives
Coordenador: Professor e Mestre: Orávio de Campos Soares



Campos dos Goytacazes - 2005
Palavras de Santo Antônio

"É viva a Palavra quando são as obras que falam."

"A paciência é o baluarte da alma,
ela a fortifica e defende de toda perturbação."

"Deus é Pai de todas as coisas.
Suas criaturas são irmãos e irmãs."

"Ó Senhor, dá-me viver e morrer no pequeno ninho da pobreza
e na fé dos teus Apóstolos e da tua Santa Igreja Católica."

“Busca a paz dentro de ti. Se a encontrares,
terás paz com Deus e com o próximo.”

“Onde houver justiça aí haverá sabedoria.
E onde houver sabedoria aí está o Paraíso.”
"Ó meu Senhor Jesus, eu estou pronto a seguir-te mesmo no cárcere,
mesmo até a morte, a imolar a minha vida por teu amor,
porque sacrificaste a tua vida por nós."

"Quem não pode fazer grandes coisas,
faça ao menos o que estiver na medida de suas forças;
certamente não ficará sem recompensa"





“O homem foi feito à imagem e semelhança de Deus para que,
assim como Deus é bom, justo e misericordioso,
também o ser humano tenha caridade, retidão e misericórdia.”
"Uma água turva e agitada não espelha a face de quem sobre ela se debruça.
Se queres que a face de Cristo, que te protege, se espelhe em ti,
sai do tumulto das coisas exteriores, seja tranqüila a tua alma."

"Como os raios se desprendem das nuvens, assim também dos santos pregadores emanam obras maravilhosas. Disparam os raios, enquanto cintilam os milagres dos pregadores; retornam os raios, quando os pregadores não atribuem a si mesmos
as grandes obras que fazem, mas à graça de Deus."

"Neste lugar tenebroso, os santos brilham como as estrelas do firmamento.
E como os calçados nos defendem os pés, assim os exemplos dos santos
defendem as nossas almas tornando-nos capazes de esmagar
as sugestões do demônio e as seduções do mundo."

"Quando te sorriem prosperidade mundana e prazeres,
não te deixes encantar; não te apegues a eles;
brandamente entram em nós, mas quando os temos dentro de nós,
nos mordem como serpentes."

“Disse o anjo aos pastores: “Este será para vocês o sinal:
encontrarão um menino envolto em faixas, e deitado na manjedoura”.
O Salvador veio a nós revestido de humildade e de pobreza.
Bem-aventurado aquele que possui este sinal na fronte e na mão,
isto é, presente em sua fé e em suas obras!”


ÍNDICE
1 – Resumo
2 – Introdução
3 – Descrição da Pesquisa
3.1 – Santo Antônio, sua vida, seus milagres
3.2 – O Santo Casamenteiro
3.3 – De que forma o homem se relaciona com seu mito?
3.4 - O Casamento
3.5 – O que o homem perde, Santo Antônio encontra
3.6 – A patente de Santo Antônio
3.7 – As Festas
3.8 - Os ex-votos e o pagamento de promessas
3.9 - As Recordações
3.10 - Os Oratórios
3.10.1 – Oratórios de Viagem
3.10.2 – Oratórios Populares
3.10.3 – Oratórios Eruditos e de Referência Artística
3.11 – Orações de Santo Antônio para diversos fins
3.11.1 – Oração pela Família
3.11.2 – Oração Para Achar Objetos Perdidos
3.11.3 – Oração na Doença
3.11.4 – Oração dos Namorados
3.115 – Ladainha de Santo Antônio
3.11.6 – O Pão de Santo Antônio
3.11.7 – Benção dos Pães de Santo Antônio
3.11.8 – Responso de Santo Antônio
3.11.9 – Trezena de Santo Antônio
3.12 – O negro na história do Brasil, e de Campos dos Goytacazes
3.13 - A Construção da Igreja de Santo Antônio em Guarus
3.14 - A cultura afro e sua relação com Santo Antônio
3.15 - As simpatias e crendices funcionam?
3.15.1 – A rezadeira
3.15.2 – As simpatias
3.16 – O fabricante e os vendedores de imagens
3.17 – Santo Antônio e a Música Popular Brasileira
3.18 – Santo Antônio no cinema
3.19 – Lá como cá, o galo anuncia o novo tempo
3.20 - Curiosidades
4 - Metodologia
5 – Análise dos Resultados
5.1 – O que é Folclore?
5.2 – O que é Folkcomunicação?
6 – Conclusão
7 – Anexo
25/nov/2004 – Durvalina Ribeiro Gama
26/nov/2004 – Padre Paulo Henriques Barreto
29/nov/2004 – Silvia Paes
22/jan/2005 – Manoel Pereira da Silva
02/fev/2005 – Frei Clarêncio Neotti
11/fev/2005 – Cliveraldo Pinto
12/fev/2005 – Maria Jocélia de Souza
14/fev/2005 – Paulo Roberto Soares de Souza
15/fev/2005 – Adriana do Nascimento Terra de Souza
15/fev/2005 – Antônio Carlos Carvalho de Souza
8 – Bibliografia
9 – Hemerografia
10 – Iconografia
11 – Webgrafia



1 - RESUMO
O presente trabalho têm como objetivo mostrar a relação do homem com o mito e à divindade, e de que forma ele tenta conquistar sua simpatia e as graças do seu santo preferido, aqui no caso, Santo Antônio, o Santo Casamenteiro. A pesquisa mostra também aspectos culturais de Campos dos Goytacazes, desde a inauguração da igreja, que foi construída por negros escravos.
De forma ampla e abrangente, esse trabalho vai além e procura mostrar outros aspectos relativos à vida do Santo, a relação com outras crenças, crendices e simpatias, bem como o pagamento de promessas e ex-votos.
Aborda através de contextualização de outros pesquisadores renomados, os diferentes aspectos da cultura, das artes, do folclore, da folkcomunicação, passando pela história da Igreja de Santo Antônio, localizada no distrito de Guarus, em Campos dos Goytacazes, até chegar ao ponto principal, o pagamento de promessas.

2 - INTRODUÇÃO
De que forma o homem se relaciona com o seu mito? Essa pergunta me veio à mente a partir do momento em que soube do teor do tema da 8ª Conferência Brasileira de Folkcomunicação, “A Comunicação dos Pagadores de Promessas: Do ex-voto à indústria dos milagres”. Diante disso, procurei entre as inúmeras igrejas de Campos dos Goytacazes, uma que pudesse me dar embasamento para esse trabalho, e escolhi a Igreja de Santo Antônio, em Guarus. Pelo aspecto do nome do santo, e pelo fato dele ser considerado como o “Santo Casamenteiro”.
Mas por quê “santo casamenteiro?” Essa questão também ocupou grande parte da minha pesquisa e através dos inúmeros sites a respeito do santo, não consegui encontrar uma explicação, mas descobri outros fatos a respeito do santo.
Tendo como base, diversos livros de comunicação social, de folkcomunicação, folclore e antropologia, fui trabalhando a parte teórica da minha pesquisa até chegar as pesquisas de campo, com inúmeras entrevistas, tanto na igreja, como nas ruas laterais, para descobrir junto com os moradores outras histórias a respeito dessa igreja, do santo, e das lendas a respeito de ambos. Isso sem falar, que também fui procurar pessoas de outras crenças para me falar a respeito das simpatias e dos trabalhos que normalmente os “solteiros desesperados” ou “encalhados” - como é dito popularmente -, procuram fazer para conseguir encontrar a sua cara-metade.
Mas todo o trabalho não parou por aí, e procurei no filme “A Marvada Carne”, adaptado da peça teatral de Carlos Alberto Soffredini, dirigido por André Klotzel, produzido em 1985, para compor de que maneira o ser humano se relaciona com o seu mito.
É através de cenas desse filme e dos relatos de pessoas ligadas à igreja, como o padre paroquial, as beatas, os moradores de ruas próximas à igreja, além de cartomantes, pais-de-santo, vendedores de ex-votos e imagens de santos, de homens e mulheres que conseguiram encontrar sua cara-metade, mostro de que forma o homem se relaciona com seu mito, e faz para conseguir alcançar o milagre de encontrar um marido ou uma esposa.

3 - DESCRIÇÃO DA PESQUISA
Todo o início de uma pesquisa que envolve a vida de alguém, ou de um santo, como Santo Antônio precisa começar justamente pela origem de sua vida, bem como pelos fatos que geraram a existência de tantas lendas e crendices ligadas ao santo. Em “Santo Antônio, sua vida, seus milagres”, descrevemos toda a biografia do santo, para então, posteriormente, em outros capítulos mostrarmos de forma abrangente e minuciosa todas as crenças exemplificadas nos relatos de vários depoentes que ao longo de seis meses nos deram a oportunidade de fazer esse trabalho.

3.1 - Santo Antônio, sua vida, seus milagres
De acordo com pesquisas efetuadas em diversos sites e pela revista “Antônio – O Santo do Povo”, com texto do Pe. José Artulino Besen, Editora Mundo e Missão, 1999, Lisboa estava sob o domínio dos árabes desde 716. Os mouros – seguidores de Maomé -, e liderados pelo rei Sancho I, reuniram um outro exército de cruzados e em 1189 conquistaram Algarve, garantindo assim os limites de Portugal. Depois da guerra, os soldados se entregavam a todo tipo de orgias, matanças, estupros, saques, além de desonrar donzelas e degolá-las, abrir os cofres e tomar jóias. Curioso é que o objetivo da guerra era conquistar mais cidadãos para a fé, mas a sede dos vencedores só era aplacada com sangue e orgia.
No dia 15 de agosto de 1195, Dia da Assunção de Nossa Senhora nascia Fernando de Bulhões y Taveiro de Azevedo, filho de Martinho de Bulhões e de Maria Teresa de Taveiro, jovens membros da nobreza que haviam participado das lutas pela independência portuguesa. Como residiam próximo da catedral, no alto da colina chegavam ao castelo de São Jorge, de lá podiam avistar todo o bairro mouro, e com isso Fernando aprende português e árabe, as duas línguas faladas em Lisboa.
Os pais do menino desde cedo se preocuparam em dar ao menino uma educação humana e cristã, por isso o encaminharam para a Escola dos Cônegos da catedral. Naquele tempo, seu pai sonhava em ver Fernando armado como cavaleiro, um dos grandes ideais dos jovens medievais, mas para surpresa de ambos, Fernando decide seguir a carreira religiosa e com o apoio dos pais, ele aos 15 anos ingressa no Seminário da Ordem dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho. Como em Lisboa, as visitas e as regras da vida religiosa não eram respeitadas, e tendo concluído Filosofia dois anos depois, Fernando solicita sua transferência para a Ordem dos Agostinianos no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra. É nesse ambiente sério que ele se dedica as Sagradas Escrituras, e por ter excelente memória ele passa a ter um vasto conhecimento das Sagradas Escrituras.
Após ter concluído os estudos regulares, Fernando é ordenado sacerdote e um dia, cinco jovens batem à porta do Mosteiro, descalços e pobres, pedindo esmola em forma de comida. Fernando atende abrindo a porta e pede que participem da mesa comum. Conversa então com os freis Otto, Bernardo, Acúrsio, Adiuto e Pedro. Descobre que os cinco jovens estavam se preparando para ir para o Marrocos, na África como missionários, e moravam bem próximo dali, no convento de Santo Antão dos Olivais. Fernando passa a visitá-los no convento descobrindo que eles eram frades de uma ordem fundada poucos anos antes, por Francisco de Assis, cuja espiritualidade era viver na pobreza e nada possuir. Não possuíam conventos e se sustentavam com esmolas, tudo isso com o objetivo de anunciar a Palavra de Deus. Fernando tem o seu coração tocado pela disposição e alegria dos cinco jovens que partem para o Marrocos, tão pobres e felizes.
Em fevereiro de 1220, Dom Pedro, irmão do rei de Portugal traz as relíquias de cinco frades missionários no Marrocos. O rei Miramolim os liqüida a golpes de espada, e os seus corpos são estraçalhados pela multidão, porque eles insistiam em anunciar o Evangelho.
Fernando então toma a decisão de abrir seu coração aos frades do convento dos Olivais, perguntando sobre a missão franciscana. Como frade agostiniano, ele não pode pregar o Evangelho, toma a decisão de entrar para a Ordem Franciscana. Em 1221, Fernando é admitido na Ordem, e troca seu nome, chamando-se Antônio, frei Antônio de Lisboa, depois disso, recebe ordem de partir para a missão no Marrocos.
Segue então com o frei Filipe de Castela, com quem aperfeiçoa a língua árabe, que já conhecia de Lisboa. Mas ao desembarcar no Marrocos, uma grave enfermidade o coloca no leito, deixando-o incapacitado durante meses para qualquer atividade. Segundo alguns pesquisadores, teria sido a malária agravada pela hidropisia, depois disso ele nunca mais teve saúde perfeita.
Ao retornar três meses depois, para Portugal, uma violenta tempestade no Gibraltar, faz com que o comandante do navio em que viaja, tome a decisão de deixar o barco solto, e eles vão aportar em Messina, na Sicília, chegando portanto na Itália. Os frades de Messina, recebem com muita alegria frei Antônio e contam-lhe que em Assis irá se realizar uma grande assembléia franciscana, o Capítulo Geral da Ordem. E em fins de maio de 1221, festa de Pentecostes, todos os frades estão na cidade de Assis. São quase três mil frades espalhados pela planície, dormindo sobre esteiras em pequenas cabanas.

Durante a assembléia, frei Antônio, fica entristecido com sua situação, mas as palavras de Francisco o enchem de luz, como descrito na página 10, da revista “Antônio – O Santo do Povo”:
“Peço a todo irmão doente que, dando graças por tudo ao Criador, deseje ser assim como o quer Deus, seja são ou seja enfermo, pois ao que Deus predestinou para a vida eterna, a eles ensina com o aguilhão dos flagelos e das enfermidades... Por isso, peço a todos os meus irmãos enfermos que, em suas enfermidades, não se encolerizem nem se inquietem contra Deus ou contra os irmãos, nem vivam por demais ávidos por encontrarem remédio... nem pretendam excessivamente libertar a carne que em breve há de morrer e é inimiga agonizante da alma”.
A mesma revista ainda acrescenta:
Como Frei Antônio de Lisboa, não havia sido notado, ele foi encaminhado ao Frei Graciano, de Romagna, que descobre ser ele um padre, destinando-o a Forlí, um pequeno convento de Monte Paulo, onde os freis queriam uma missa diária. Frei Antônio ficou ali durante um ano e meio, até que em 1222, diversos diáconos seriam ordenados sacerdotes na catedral de Forlí, em meio à festa, o pregador não apareceu e frei Graciano chama Frei Antônio para fazer a pregação. Falando inicialmente em italiano popular para todo o povo, ele os anima a não perder a esperança naquela época tão difícil onde o pobre era tão explorado. Suas palavras são duras contra os poderosos que oprimem o povo. De repente ele passa a falar em latim dirigindo-se para o bispo, os padres e jovens clérigos, citando trechos da Bíblia, e emocionando a todos que estavam presentes.
Após sua pregação, Frei Antônio se dispõe a pregar o Evangelho ao povo, e sai do convento de Monte Paulo. A igreja vivia momentos difíceis, enquanto muitos queriam ouvir o verdadeiro Evangelho e aprender a imitar Jesus, boa parte das autoridades religiosas estavam se descuidando da vida cristã em nome do poder. Com isso, crescia o número de seitas que se colocavam contra a Igreja, o Papa, os sacramentos. Mesmo assim, é no meio desta realidade que frei Antônio realiza seu trabalho missionário, buscando converter os pecadores e trazendo de volta à Igreja, os afastados.
O primeiro milagre de frei Antônio ocorre em Rímini (Itália), cidade onde os cátaros exerciam grande influência sobre o povo. Em sua biografia a revista conta que,
Ele como sempre foi a Praça da Catedral pregar o Evangelho, como havia poucas pessoas no local, ele combinou que voltariam no dia seguinte. No dia seguinte, no mesmo horário, ele estava de volta a Praça e encontrou as mesmas pessoas do dia anterior e alguns hereges. Enquanto comentava a Bíblia, o povo não acreditava em suas palavras e por fim não quiseram mais ouvi-lo. Depois disso, ele rezou muito, e certo dia foi caminhar à beira do mar Adriático, na foz do rio Marecchia. Para espanto de algumas pessoas que o acompanhavam, ele parou ergueu as mãos e gritou olhando para as águas: “Ouçam a palavra de Deus, vocês, peixes do mar e do rio, pois os infiéis não querem ouvi-la!”. Naquele mesmo instante, uma grande multidão de peixes aproximou-se da praia, colocando a cabeça para fora a fim de ouvir o Santo falar. Todos os peixes estavam atentos, os menores na frente e os maiores atrás.
Depois disso, Antônio ainda gritou em louvor:
“Bendito seja o Deus eterno porque mais o honram os peixes aquáticos do que os homens heréticos, e melhor escutam suas palavras os animais do que os homens infiéis”.
Dito isso, o povo também começou a chegar mais perto, incluindo os hereges agora caído aos seus pés, pedindo que continuasse a falar, pregando então a fé católica, e fazendo com que os cátaros voltassem a verdadeira fé. Despediu-se dos peixes com a bênção de Deus e todos partiram felizes, povo e peixes.
Um outro milagre de frei Antônio aconteceu quando um herege não acreditava nas suas palavras e blasfemava, ridicularizando a presença de Jesus na Hóstia consagrada. Enquanto Antônio argumentava, Bonvillo fazia farra.
Até que o herege gritou: “Ó frade, acreditarei na Eucaristia se tiver uma prova”. E propôs o seguinte desafio: “Vou deixar minha mula três dias sem comer seu alimento preferido, o feno do campo. Depois de três dias tu colocarás diante dela isso que dizer ser Hóstia sagrada. E eu, de minha parte, colocarei o cheiroso feno do campo. Se ela não comer o feno e adorar a Eucaristia, acreditarei”. O povo ficou impressionado, silencioso, esperando a resposta de Antônio: “Aceito, para teu bem, do povo e da glória e honra de Deus”.
Três dias depois a praça estava tomada pelo povo. Um hino começa a ser cantado dentro da Catedral e, em procissão, Antônio traz a Hóstia consagrada.
Pouco depois, aos berros e blasfêmias, empurrando a mula, chega Bonvillo. Trouxe um saco cheio de feno que espalhou perto do altar. Soltou a mula para o lado de Antônio, esperando que avançasse sobre o feno. O animal não saía do lugar, por mais que Bonvillo o empurrasse e batesse com o chicote.
Antônio, que estava todo o tempo de joelhos, se ergue para abençoar o povo com o Santíssimo Sacramento. O povo se ajoelha e a mula, para admiração de todos, dobra respeitosamente as patas dianteiras em adoração.
Único em pé é Bonvillo. Mas foi tocado pela graça divina e, cheio de lágrimas, cai de joelhos adorando o Santíssimo.
Entre 1223 e 1226, frei Antônio passou a pregar o Evangelho a pedido de Francisco de Assis, inicialmente para os frades como o primeiro bispo de sua Ordem, depois em outras cidades como Bolonha, na Itália; Carcassone, Toulose, Limoges, na França. Até que em 3 de outubro de 1226, morre Francisco de Assis. No ano seguinte, frei Antônio sai de Montpellier, na França, atravessa a pé a Provença e se dirige a Assis, para o Capítulo Geral, na festa de Pentecostes.
Foi no inverno de 1227, que ele finalmente chegou a Pádua, Itália, pela primeira vez. No local chamado Arcella, onde há um convento de frades e um mosteiro de Clarissas, ordem religiosa fundada por Francisco de Assis junto com Clara de Assis, que ele permanece por algum tempo. Até que em 1228, ele é chamado para ir a Roma, onde o Ministro Geral da Ordem queria ouvir alguns conselhos sobre o voto de pobreza. Cumprida a missão, ele deseja retornar a Pádua, mas o Papa Gregório IX que fora amigo de Francisco deseja ouvi-lo. Após pregar no Colégio Cardinalício e ao Papa, este deu-lhe o título de “Arca do Testamento”, devido ao seu conhecimento das Escrituras. Ao retornar para Pádua, ele passa por Assis e assiste a canonização de Francisco, agora São Francisco de Assis, menos de dois anos após sua morte.
O terceiro e último milagre de frei Antônio, ocorreu exatamente nessa época, quando desciam da França para a Itália, e estavam tomados pela fome, chegaram em um povoado pobre e falou para seu companheiro:
“Irmão, quando estamos com fome podemos pedir esmola, sem ter vergonha disto. Jesus foi pobre e viveu de esmolas”.
Bateram na porta de uma casa e uma velhinha pobre e viúva, veio atende-los. Cheia de compaixão pelos frades, manda-os entrar e participar de sua mesa: meio pão seco, algumas azeitonas e algumas nozes. Desce à adega e traz um jarrinho de vinho para que bebam. Como tem apenas um cálice, vai à vizinha e pede um emprestado.
Os frades, dando graças a Deus, iniciam a refeição. E começam os problemas. O companheiro de Antônio, desajeitado, bate com o copo na mesa e o parte em dois. A pobre mulher fica sem jeito, pois o cálice era emprestado. Mas faz que não viu. Desce à adega para trazer mais um pouquinho de vinho e, assustada, viu que deixou a torneirinha aberta e todo o vinho estava derramado pelo chão. Retorna triste: “Ai de mim, perdi todo o vinho e já não posso servi-los...”. Antônio, comovido pela dupla desgraça, inclina-se sobre a mesa e se recolhe em oração. Após alguns minutos, o cálice partido se recompõe como se fosse novo e a mulher exulta de alegria. Mas o Santo continua: “Vá à adega e encha a jarra de vinho pois meu companheiro está com a garganta seca”.
A mulher, mesmo sabendo que o vinho estava todo derramado, desceu. E, maravilhada, encontra a pipa cheia de vinho, fervilhando como se fosse novo. Sobe depressa para agradecer ao bom homem. Mas eles já tinham ido embora, pois receavam que o povo, sabendo do fato, os enchesse de honras.
Outro dos milagres de frei Antônio foi quando um homem muito ciumento, não queria reconhecer a paternidade do filho. A mãe aflita solicitou que frei Antônio fizesse alguma coisa, este tomou o bebê nos braços e pediu que em nome de Deus, indicasse quem era o seu pai. E o recém-nascido estendeu as mãozinhas mostrando que queria ir para o colo daquele homem ciumento, desfazendo todas as dúvidas.
Os textos dessa mesma revista dão conta de que frei Antônio gostava muito de se encontrar com crianças e catequizá-las. E em 1231, depois de pregar uma série de sermões da Quaresma, ele ficou extremamente cansado e retirou-se com outros frades para um lugar retirado cheio de árvores, em Camposanpiero. O povo ao descobrir que frei Antônio estava naquele lugar ía todos os dias para ouvir sobre Deus, e ele não consegue ter a paz que tanto desejava.
Até que um dia depois do almoço com os frades, ele perde as forças, ajudado pelos frades se retira para uma das celas do convento. A noite, preocupado com seu estado de saúde o velho Conde Tiso chega ao convento para fazer uma vigília e resolve olhar o frei por uma janelinha e o vê de joelhos, com os braços estendidos para a frente. Segundo a revista:
“O Conde escuta a oração, “Ó filho de Deus, peço-te com toda a devoção que me libertes dos pecados. E quando chegar o último dia de minha vida, faze com que, conduzido pela mão dos anjos, eu possa chegar até ti cheio de júbilo”. De repente uma forte luz inunda toda a cela. E o Conde vê, entre os braços de Antônio, o Menino Jesus, cheio de alegria. Frei Antônio o abraçava e beijava, contemplando-lhe a face com ardor incessante. Era tal o amor de frei Antônio pelo Menino Jesus que Maria resolve dar-lhe a alegria de tê-lo ao colo, como ela o tivera em Belém.
Na manhã de 13 de junho de 1231, frei Lucas e os outros frades prepararam a carroça de um camponês para transportar frei Antônio até Pádua, mesmo ele estando fraco e tomado pela dor e pela febre. Nessa viagem ele conserva os olhos sempre abertos e voltados para o céu. Ao ver seus amigos chorarem ele ainda encontra forças para consolá-los, especialmente seu grande amigo o frei Lucas:
“Não chore por minha causa, frei Lucas”. O pai Francisco chamou a morte corporal de nossa ´irmã`. E eu assim a considero, porque será ela a abrir-me as portas do céu! Lá do céu espero ajudar ainda mais os pobres, os pequenos, os doentes, os fracos, os velhos, os pecadores... Os pobres, frei Lucas, são o povo de Deus. É por isso que os que vivem em verdadeira pobreza possuem alegria”.
Segundo conta a revista, frei Antônio não conseguiu chegar a Pádua e foi deixado no convento de Santa Maria de Arcella. Antes de entrar no convento, frei Antônio deu sua última bênção à sua querida Pádua. Logo depois pediu que frei Lucas o atendesse em confissão, em seguida ele com voz suave canta um hino à Virgem Maria: “Ó gloriosa Senhora, mais alta que as estrelas...”. Os frades então passam a entoar alguns Salmos e frei Antônio morre tranqüilamente. Sem ninguém saber como, naquela sexta-feira, 13 de junho de 1231, as crianças pelas ruas de Pádua saíram gritando: “Morreu o frade santo! Morreu Santo Antônio!”. O frei foi sepultado na terça-feira seguinte, passando a ser para sempre, “o Santo”. Em menos de um ano após sua morte, o Papa Gregório IX, o canoniza, em 30 de maio de 1232, dia de Pentecostes.
No mundo cristão, Santo Antônio é um dos mais populares, e em todas as paróquias e cidades brasileiras há uma capela para sua devoção e no Brasil são mais de 500 igrejas que o têm como padroeiro. Segundo consta ainda nessa mesma revista, Santo Antônio é invocado pelos pobres, pelos sofredores e as esmolas dadas com a finalidade de obter sua intercessão chama-se “Pão de Santo Antônio”, e em muitas igrejas, as missas são celebradas na terça-feira, onde se faz a bênção dos pães e sua distribuição.
Mas é somente na América Latina que Santo Antônio possui a fama de casamenteiro e o Santo das coisas perdidas. Diante disso, muitas moças pedem sua intercessão para realizarem um bom casamento, e casais pedem ajuda para manter a família unida. E quem perde um objeto e reza o Responso de Santo Antônio, reencontra-o.
Santo Antônio foi tão importante para a Igreja Católica que, em 10 de janeiro de 1946, o papa Pio XII o proclamou Doutor da Igreja com o título de Doutor Evangélico, significando que Santo Antônio deu sua contribuição original e autêntica para a vivência e conhecimento da fé cristã.
Em 1263, o povo de Pádua, conseguiu concluir a imensa basílica em honra do Santo. Nesse ano, a urna com os restos mortais foram levados para o templo e para surpresa de todos, com exceção dos ossos, tudo tinha virado pó menos a língua, que se encontrava incorrupta. Como consta a revista, “quis Deus que aquela língua, usada sempre para o anúncio do Evangelho e para levar as pessoas à conversão, não retornasse ao pó. Ainda hoje se encontra em Pádua, dentro de um precioso relicário. Quando frei Boaventura apresentou a língua de Santo Antônio, ao povo, exclamou: “Ó língua bendita, que sempre louvaste e fizeste louvar ao Senhor, agora se vê como foram grandes os teus méritos junto de Deus”.

3.2 - O Santo Casamenteiro
Mas afinal por quê Santo Antônio é tido como “Santo Casamenteiro”? Ao entrevistar o Padre Paulo Henrique Barreto da mesma paróquia, este declara que:
“(...) ele ajudou uma vez um casal, que não tinha o dote pra ele se casar, então ele ajudou essa noiva com o casamento e facilitou o casamento dela. Daí então, se espalhou a notícia de que ele ajudava em casamento, era o casamento dele”.
E no livro “Santo Antônio – vida, milagres, culto”, publicado pela Editora Vozes, o autor, Frei Basílio Röwer, conta nas páginas 137 e 138 que:
“No teto da Capela-Mor da Igreja do Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro existe um quadro a óleo, pintado sobre madeira. Deve ter mais de dois séculos que aí está. Representa este quadro a loja de um prestamista. Está o dono (pelas feições do rosto se vê que lhe corre sangue de judeu nas veias) junto do balcão pesando moedas de prata, colocando-as numa concha, havendo na outra apenas um pedaço de papel. Em frente do balcão está uma donzela, que, em atitude modesta, observa o pesar da prata.
(...) Havia uma jovem pobre, mas virtuosa, a quem faltava o dote para se casar honestamente. Muitas vezes ouvira falar do compadecimento de S. Antônio para com os necessitados e dos milagres que Deus fazia por sua intercessão. Atenderia ele às suas preces se lhe pedisse o dote? Certo dia, lá vai ela ajoelhar-se aos pés da imagem do Santo e pelo amor do Menino Jesus em seus braços pede humildemente o que deseja. Ela foi ouvida e de uma maneira que não esperava.
Estando assim ajoelhada, viu um papel desprender-se da mão do Santo, caindo sobre as suas mãos devotamente postas. Era uma cartinha dirigida ao tal prestamista. Dizia ela: “Fulano, dê à portadora moedas de prata equivalentes em peso a este papel. Ass. S. Antônio”.
A moça nem de leve duvidava que tudo era realidade e, coisa admirável, nem tampouco o prestamista. Pois ela foi à loja, apresentou o papel e o prestamista leu-o como se fosse negócio de todos os dias. Sem inquirir coisa alguma, nem perguntar por garantias, colocou o papel na concha e na outra moedas. Outro milagre: Colocou, tornou a colocar mais moedas; mas o papel era sempre mais pesado, até se completar a quantia necessária para um bom dote. O prestamista entregou à jovem o dinheiro e deixou-a ir em paz. A jovem agradeceu e radiante voltou para casa, não havendo mais nada que obstasse ao casamento”.
Ao ler estas páginas não me restou outra alternativa e ir até a cidade do Rio de Janeiro para conseguir essa imagem que realmente está no alto do altar da igreja. E com a ajuda de Frei Clarêncio Neotti, após a primeira missa da manhã, consegui fotografar essa imagem. E a respeito desse fato Frei Clarêncio me expôs o seguinte:

Nós sabemos que Santo Antônio defendeu muito os interesses e a dignidade do povo de seu tempo, particularmente em seus sermões durante o tempo das pregações que ele fazia nas vilas, catedrais, centros de cidades, nas praças públicas, e ocorreu que o chefe regional da zona paduana, baixou um decreto exigindo que só podia casar a mulher que trouxesse o dote. Dote é uma certa quantia em moedas, ou em ouro, ou em animais, que o pretendente, a pretendente devia levar para os pais do rapaz. Para com isto se excluíam todas as moças pobres, só as ricas que podiam casar, pessoas ricas tinham o dote. Isso fazia uma diferença muito grande, entre rico e pobre, uma discriminação insuportável, no dever, na dignidade de cada pessoa humana. Santo Antônio reagiu muito forte e foi ao chefe regional, o “Duca”, como eles chamavam, foi ao chefe regional e com muita insistência exigiu o cancelamento desse decreto, e conseguiu. Apesar deste homem, ser um homem famosamente violento, e famosamente interesseiro, nas finanças locais ele foi obrigado, forçado a cancelar esse decreto e a partir de então as moças passaram a invocar Santo Antônio para encontrar um bom partido de casamento, isto é um fato que se conta na vida de Santo Antônio.


3.3 - De que forma o homem se relaciona com seu mito?
“é comum, no meio rural, os moradores, quando não conseguem algo racionalmente, buscarem no sobrenatural o reforço para a realização dos seus intentos”.
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A epígrafe acima, parece ter sido muito bem utilizada por Carlos Alberto Soffredini em sua peça teatral, bem como por André Klotzel, que dirigiu e produziu em 1985 o filme “A Marvada Carne”.
Nesse filme, a personagem Carula, interpretada por Fernanda Torres, mora num arraial e reza todos os dias para Santo Antônio, para que ele lhe arranje um marido. Um dos bons momentos do filme é a maneira como Carula se relaciona com o seu santo protetor, levando-o inclusive para a beira do rio quando ela vai lavar a roupa, e sua vontade de encontrar um marido chega a tal ponto que por raiva, ela o afoga, e num outro acesso de raiva, ela o atira para fora da janela, e é nesse momento, que surge o personagem Nhô Quim, interpretado por Adilson Barros, que viria a ser o seu tão desejado marido.
Algumas cenas do filme, principalmente as cenas de Fernanda Torres com o santo, são mostradas após alguns versos de uma música. O primeiro verso é cantado assim:
“Meu Santo Antônio, venerado
meu santinho namorado
encontrar o que está perdido
me ajudai encontrar marido”.
E ela então começa a falar com o santo e a cena mostra a personagem em cima de uma árvore arrancando flores para dar ao santo:
“Ai meu Deus, olha aqui meu santinho, não é uma lindura? Fala a verdade, ocê bem que viu a jurema
2 que deu pra apanhar, num viu? Entonce, agora num está também na hora do Senhor cumprir com a sua obrigação de santo?”
Antes da cena do poço, vem então o segundo verso cuja letra é essa:
“Eu fui no mato, cortar lenha
Santo Antônio me chamou
Se Santo que é Santo chama
Que fará um pecador”.



E Carula (Fernanda Torres) indaga o santo do porquê de tanta demora:
“Afinal de contas, meu santinho, que ocê tá esperando, meu santo? Tá esperando que eu fique feia, feia que nem o urutau? Pa mó di nenhum perário di atoa querê ponhá os óio por riba deu? É, é santinho. Ara!
Logo em seguida, vem o terceiro e último verso dessa música, cantado assim:
“Santo Antônio me piscou
De cima do seu altar
Mai óia o maluco do santo
Querendo me namorar”.
E a personagem então, já impaciente com aquela demora, fala assim:
“Eu não vou mais lhe trata com essa melúria
3 toda não, viu santinho! De hoje em diante você vai saber bem quem é essa fia de meu pai! Qué vê?”

E a personagem afoga o santo na água com requintes de crueldade, chegando até mesmo a assobiar, e depois de algum tempo traz o santo à tona, e este começa a borbulhar, e em seu semblante uma cara de quem está com raiva.
Como o objeto do desejo dela não vem, ela então vai até a pequena capela e começa a dizer:
“Óia aqui o que eu chego a lhe dizer não tem vortinha, na ponta não, viu? Vai e fica. Eu já tô, meu santo pras turina
4 com ocê, tá entendendo? Eu já tô pras turina com seu ar de tolo, com esses seus óios granado, aí. E marido que é bão, meu santo, neca! Ocê qué sabe do que mai? Ocê qué sabe? Oi qui meu santinho! Meu santinho! Abasta desta tua luzinha”.

E começa a apagar as luzes das velas.
“Abasta de toda essa luzinha aqui ó, que eu venho acendendo por estes dois ano, viu meu santo? Abasta de suas florzinha, viu? Chega!”

E começa a despedaçar todas as flores e apagar todas as velas. Então ela toma de uma raiva contida e...
“Chega! Ai mo Deu me segura! E abasta de Santo Antoninho, tumbém, viu?”
E acaba atirando o santo com toda a raiva para fora do seu quarto através da janela, fechando a mesma. Finalmente o santo atirado pela janela vai cair na cabeça de Nhô Quim, interpretado por Adilson Barros, que vinha chegando ao arraial, e ele resolve devolver o santo. Por um buraco na parede Carula (Fernanda Torres), fica feliz com a chegada do intruso e resolve agradecer a ajuda do santo:
“Vizeu meu santinho por tudo me arranjado. Gradecida meu santinho. Gradecida pelo marido que me arrumado. Bom, é bem verdade que eu tinha lhe pedido um mocetão di danado di bonito e sacudido, né mermo? Esse Quim aí, que ocê... Não esse Quim é um pombinho. Gradecida meu santinho estou muito feliz com tudo, muito obrigada, gradecida, gradecida, gradecida, gradecida. Bom, marido eu já arrumei, né? Agora só tá fartando mermo, ele me pedir, mas isso, deixe comigo”.
Diante disso, ela então resolve procurar Nhô Quim, tentando chamar sua atenção, mas este, nem lhe dá atenção. Chateada ela desabafa com o santo:
“A curpa é sua, viu? Me arranja o dito cujo e já cuida de tá mai mió de bão, né? E eu que me arranje suzinha a mó de laçá o guarampa
5”.
Enfim a personagem Carula acaba tendo a ajuda da personagem Nhá Tomaza (Lucélia Machiavelli) e começa então a bolar um plano para conquistar a atenção de Nhô Quim. Na cena do riacho, as duas começam a conversar sobre o casamento e Nhô Quim ao ouvir que se Carula casar o pai vai lhe fazer uma festança e matar um boi, este então cumprimenta Carula com um sorriso e ela devolve o sorriso totalmente derretida para ele.
Até que finalmente Nhô Quim pede a mão de Carula, mas para isso precisa fazer umas provas. Como as provas não acabam, Nhô Quim e Carula resolvem fugir para casar na cidade, tendo a cumplicidade dos pais dela. Na cena da fuga, Nhô Quim resolve bater na janela chamando por Carula, mas ao bater na janela errada, o pai dela, Nhô Totó (Dionísio Azevedo), sussurra dizendo: “é a outra”, comunicando que a janela da filha era a seguinte.
Na cidade Nhô Quim, resolve vender a cabra, comprando comida e as alianças. Vão a um cartório e quando o Oficial os declara marido e mulher, Carula com um sorriso desmaia de emoção, afinal tinha conseguido o que ela mais queria, um marido.

3.4 - O Casamento
A respeito do casamento e suas superstições, Luís da Câmara Cascudo, em seu “Dicionário do Folclore Brasileiro”, 9ª edição, Global Editora, São Paulo, 2000, pg. 121, escreve assim:
Casamento – As superstições e os prognósticos ligados ao casamento são os mais numerosos em todo o mundo. Universais, incontáveis, pela unidade do assunto transmitem-se fielmente. As superstições relacionadas com o casamento denunciam a importância capital do sexo, o lírico poder do amor, onipotente e onipresente. Os santos casamenteiros, Santo Antônio, São João, São Gonçalo, Nossa Senhora de Lourdes e Nossa Senhora da Conceição, têm milhares de adivinhações e fórmulas para que o devoto pressinta o futuro amoroso. Trata-se aqui exclusivamente da cerimônia do matrimônio e das superstições principais decorrentes do ato, antes, durante e depois dele. E alude-se a uma quantidade ínfima, na impossibilidade de recolher e conhecer as que existem.
Eis algumas delas: o casamento deve ser em dia de semana e não no domingo. Moça que se casa no dia de Santana, 26 de julho, morre de parto. Toda a roupa e os sapatos da noiva devem ser gastos em seu uso pessoal; dando-os, dará parte de sua felicidade. O ato de vestir a noiva, provoca a boa sorte para as moças. Prender com um alfinete o vestido branco da noiva e pôr na cabeça a grinalda de flores de laranjeira são grande anúncio de matrimônio próximo. Escreve-se o nome das moças no solado do sapato dos noivos ou num papel que é posto dentro do calçado. Os noivos, especialmente a noiva, podem durante a bênção matrimonial, ir chamando mentalmente pelo nome de suas amigas, e estas irão se casar, sucessivamente. Na ida para a igreja, os noivos devem ser os últimos, e ao voltar, casados, serão os primeiros. O noivo não deve ver a noiva vestida para a cerimônia. O noivo não deve tocar objeto algum que vá ser usado pela noiva na cerimônia do casamento, exceto ouro e vidro. Não deve a noiva assistir à leitura dos banhos (proclamas) de seu casamento na igreja.
Durante a cerimônia do casamento os prognósticos são numerosos. Não podem olhar para trás na ida e na vinda da igreja. Serão felizes se chover durante o casamento ou depois da cerimônia. Abre o baile dançando com o marido ou com o seu padrinho de casamento. A noiva oferecerá as flores do seu ramo, oficialmente os cravos, às amigas e aos rapazes, mordendo os botões. Os presenteados casarão logo.
Os casamentos do sertão brasileiro guardam muitas tradições que têm sido registradas. A Corrida do Anel (ver Anel), a recepção dos recém-casados com tiros de rifles, foguetões, vivas e os cantadores louvando, o jantar infindável, com as saúdes, e o baile eram e ainda são conservados em muitos lugares. O noivo não pode ir com a noiva para o quarto nupcial. Irá a mulher e depois o homem. Só o noivo tem o direito de tirar o véu da noiva, que será doado ao oratório da casa. Quem se deitar em primeiro lugar indicará o sexo do primeiro filho. Se for o marido, homem. Se for a esposa, mulher.
O protocolo, ainda obedecido no sertão, é amanhecer de branco, marido e mulher. No primeiro domingo depois do casamento o casal oferecerá um almoço (ou os sogros oferecem) aos padrinhos do casamento e aos amigos mais íntimos. É o almoço da boda, finalizando as festas matrimoniais.
Ao iniciar esse trabalho de pesquisa sobre “Os Milagres de Santo Antônio Casamenteiro”, uma das maiores dificuldades foi conseguir encontrar uma pessoa, seja ela, mulher ou homem que confessasse ter obtido ajuda de Santo Antônio para encontrar o seu grande amor. O padre Paulo Henriques Barreto, chegou a informar que no dia 18 de dezembro de 2005, entre os inúmeros casamentos realizados por ele, naquele sábado, havia o de uma jovem que desejando encontrar um marido para se casar havia participado da Trezena de Santo Antônio. Mas como nenhuma das três se prontificou a dar maiores informações a respeito de seu casamento, este pesquisador acabou encontrando na guardiã da Capela de Santa Maria, e Ministra da Eucaristia, Adriana do Nascimento Terra de Souza, a personagem que faltava para comprovar o fato de que Santo Antônio realmente têm o poder de fazer com que as jovens e os homens consigam realizar o seu desejo de se casarem.
Com 18 anos de casamento, e tendo um casal de filhos, Adriana contou como foi a sua história de amor, e de como encontrou seu atual esposo, Antônio Carlos Carvalho de Souza,

É até uma história engraçada porque saí do serviço, trabalhava na época, combinou eu e uma amiga de irmos na festa, aí como a tradição diz que ele é o Santo “casamenteiro”, né? Aí fomos nós atrás de um namorado, não é nem de casamento, de namorado, principalmente ela que estava mais velha que eu, aí fomos. Quando chegamos lá, minha irmã estava pequena, fui eu com minha irmã e tudo, e nem encontrei com essa amiga minha lá, não. De fato, nem encontrei com ela, fiquei eu e minha irmã sozinha, mas eu não sou muito de ficar em tumulto, nem nada. Falei: “ó, vamos embora, que Santo Antônio, não está com nada nas calcinhas, deixa eu ir embora”, chego lá, nisso meu marido, nisso já estava já flertando já com meu marido. Meu marido já morava em bairro mesmo, de perto da comunidade, mas não tava nada oficializado. Ele que vinha pra festa, encontrou comigo, e falou assim: “você vai embora?”, eu falei: “vou, já estou indo embora”, ele “ah! Então não vai não, espera que eu te levo pra casa, eu só vou entrar na igreja, e vou voltar”, nisso eu esperei ele, já tinha ido na igreja, primeiro do que ele, já tava cá fora, ele falou assim: “então vai lá, que eu te espero aqui fora”, aí nisso já foi, que ele já tava, ficamos conversando e tal, e nisso conversa vai, conversa vem, ele foi pra casa, ele que foi contando a história, que ele já estava querendo me namorar e tal, eu falei assim: “é, fui duvidar do santo”. Hoje em dia já estou casada com ele mesmo, já tem 18 anos que nós somos casados, graças a Deus, tenho um casal de filhos com ele, os meus filhos foram batizados, ali, entendeu? (...)A gente é fiel, sabe que o santo não faz milagre, quem faz é Deus, mas ele que intercedeu muito a Jesus por mim, pelo meu casamento sempre peço, tenho pedido por ele, porque eu falo “ó Jesus, Santo Antônio já casei aí na sua igreja, então agora o senhor auxilie, né? Alguma coisinha que houver, né?”. Aí graças a Deus, estamos juntos pelo altar do Senhor, que fomos lá fazer os nossos votos de casamento, estamos casados até hoje, graças a Deus.

O escritor campista, José Cândido de Carvalho em seu livro “Olha para o céu, Frederico! – Romance acontecido em Campos dos Goytacazes nos dias do gramofone”, narra a vida do personagem Eduardo, que passava horas no sótão da casa de seu tio Frederico, em São Martinho, conversando com os santos em seu oratório. Na página 17, ele chega a descrever um verso de uma cantiga para Santo Antônio, ei-la:

“(...) O oratório era meu grande divertimento. Passava horas metido no sótão em conversa com os santos. Martírios de São Sebastião, todo furadinho de setas. Milagres de Santo Antônio casamenteiro. Uma sarará sabia cantigas que enterneciam o santo:
Santo Antônio, Santo Antônio,
casai-me que bem podeis.
Já tenho teias de aranha
naquilo que bem sabeis”.

E o Padre Paulo Henrique em seu depoimento define o casamento e a relação com Santo Antônio dessa forma:
“As pessoas se esquecem que casamento é você ser feliz, mas fazer a outra pessoa feliz também. As pessoas às vezes até correm atrás do santo, de um milagre, de um casamento feliz, como se isso dependesse apenas de Deus e da intercessão de Santo Antônio, mas o casamento depende 100% de Deus e 100% deles também, de cada um de nós em particular. Que as pessoas hoje não entram com esse 100%, não (?), você me dizer quando alguma coisa está assim, e se esquecem que casamento é doação total, sem reservas.
(...) Não, eu acho importante até mesmo recorrer a Deus nos casos assim mais difíceis da vida, e sobretudo pedir a Santo Antônio já que ele tem também essa fama, acho que não custa você pedir a intercessão de Santo Antônio, de Nossa Senhora, qualquer outro santo, mas lembrando sempre que é Deus é quem nos faz esse milagre, essa vontade, e algo que vale a pena, acho que como diz Fernando Pessoa: “tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”. Pela grandeza que é a alma, Deus ajuda, sempre com toda certeza, e quem tem essa devoção deve permanecer fiel a Deus e deve levar adiante. Não se esqueça que quem dá é sempre Deus, o santo intercede”.

3.5 – O que o homem perde, Santo Antônio encontra
Mas nem só de casamentos, vive Santo Antônio, ele também é conhecido por ajudar as pessoas a encontrar objetos perdidos. Nesse ponto, vale lembrar que no sul do país, o Negrinho do Pastoreio, figura lendária de um menino negro, também ajuda as pessoas a encontrar objetos perdidos.
Para a idosa, Durvalina Ribeiro Gama, 80 anos, Santo Antônio já lhe ajudou em algumas ocasiões, como no encontro com sua filha, e sobre os objetos que estavam sumidos: a chave da bicicleta e uma tesourinha, como ela conta:
“(...) Mas aconteceu comigo, eu tinha uma filha, ela se casou e foi morar fora daqui, com poucos dias de casada, ela sofreu um desastre de carro, e quebrou a cabeça, ela trabalhava na Secretaria de Educação, lá em Niterói. (...) E com esse desastre ela teve que parar de estudar, ela sofreu muitas operações na cabeça, nem sei porquê (?), então ela ficou muito doente, nós tivemos muito trabalho com ela, foi uma luta pra gente conseguir trazer para aqui, porque ela não queria vir embora lá de Niterói. (...) Mas, ela então depois veio morar aqui conosco, e ela costumava muito sair e ela quando saía, nós até sofremos muito com ela, muito mesmo. (...) Ela passou a beber, se embriagar, ela saía, levava dois, três dias, não sabia onde andava, as vezes eu passava a noite sem dormir, esperando por ela, quantas vezes, pela madrugada, alguém batia palmas eu chamava logo meu marido e a gente vinha ver, era alguém dando notícia dela, aí a gente ia pra rua pra poder trazê-la pra casa. Mas levamos assim 21 anos nesse sofrimento, ela tinha tempo que melhorava, tinha tempo que piorava, mas agora eu vou contar o milagre de Santo Antônio.
Foi um sábado à tarde, ela pela manhã saiu pra fazer uma comprinha pra mim, e não voltava, nunca mais que voltava. Daí até a minha irmã estava aqui em casa, minha irmã mais velha que morava em Niterói, (...) eu preciso (?) Dalila, eu vou sair pra ir ver a minha filha que se chamava Ana Maria. Eu saí com minha irmã procurando por ela, procurando. Antes as lojas já estavam fechando, e ela, eu vendo que ela não... tão fechando, estavam fechadas, porque foi um dia de sábado, e comércio aqui dia de sábado fecha meio-dia, uma hora (...). Então, quando eu vinha por uma rua, pela rua 21 (de Abril), eu me lembro muito bem, que eu olhei, e vi que ela vinha nessa mesma rua, mas bem na minha frente, aí eu corri, pra ver se alcançava, minha irmã ainda disse assim: “você parece uma mulher maluca, correndo pela rua, aqui na cidade”, eu disse: “ah minha filha! Por causa de uma filha a gente faz tudo”. Mas quando eu olhei ela já estava ainda muito distante, ela dobrou da Rua 21, dobrou pra Rua Barão de Cotegipe, eu disse: “ah! É agora, eu vou perdê-la!”, aí eu gritei: “Santo Antônio! Santo Antônio, me ajuda Santo Antônio!”, falei mesmo: “me ajuda Santo Antônio!”. O senhor sabe, quando eu cheguei na esquina, ela dobrou, foi Santo Antônio que fez ela parar, aí eu falei com ela, ela veio, nós viemos embora para casa. Então eu disse: ”isso foi um dos milagres que Santo Antônio me fez”.
“Outra vez, as crianças quando eram pequenas, apanharam a chave da bicicleta do meu marido, aí a chave sumiu eu disse: “gente, o quê que eu vou fazer, quando ele chegar com essa chave da bicicleta!”, aí eu fiquei: “Meu Jesus, o quê que eu faço?”, aí eu disse: “Santo Antônio, me faça essa chave (?)”. O senhor sabe, eu havia passado uma roupinha das crianças, e posto no armário, quando eu abri a porta do armário, a chave estava em cima da roupinha que eu havia passado. Eu disse: “Não se entende isso, não”, eu disse: “só foi Santo Antônio, que fez isso”.
”E a pouquinho, pouquinho tempo, aqui em casa até dão risada, porque (?), porque eu sou muito invocada com Santo Antônio, mas não sou não, porque ele tem me mostrado muita coisa. A poucos dias, eu tenho uma tesourinha de unha, e a tesourinha sumiu, pois eu procurei em todo lugar, no lugar até que eu costumo guardar, nada. Eu disse: “ah, o jeito vai ser...”, isso levou uns quinze dias, “o jeito vai ser eu comprar outra tesourinha”. Meu marido dizia: “trata de comprar outra tesoura porque não vai achar, não!”, pois o senhor sabe, na gaveta que eu costumo guardar, que eu já havia procurado, e ele me disse também, meu marido: “eu também já procurei nessa gaveta”. Quando eu abro a gaveta, a tesourinha estava assim (mostrando), quase tudo separado, assim na gaveta e a tesourinha ali no meio, como se alguém tivesse colocado ali. Eu disse: “só é obra de Santo Antônio, só é obra dele”. Porque na gaveta eu mexi, meu marido mexeu, eu não mexi uma vez só não, mexi na gavetinha muitas vezes, isso (?) na gaveta, a tesourinha, e quando eu trabalho de agulha é com ela que eu corto a linha, faço essas coisas assim, corto minhas unhas. Pois a tesourinha, que eu abri a gaveta, estava dentro da gaveta. Isso é coisa que aconteceu comigo. Eu posso falar que foi milagre dele porque foi mesmo, foi mesmo. E quando eu estou em muito desespero, e todos nós temos, né? Ah! É a quem eu recorro, é a ele e a Nossa Senhora.
Ao fazer seu depoimento a este pesquisador, o industrial Manoel Pereira da Silva, relatou que um antigo colega havia perdido uma agulha e como ele sabia do poder de Santo Antônio, fez a oração e conseguiu encontrar o objeto. Eis o seu relato:

Que curioso que, eu tinha uma devoção de falar tanto (...) pessoa perde alguma coisa, reza para Santo Antônio, aí eu perdi um objeto que não me lembro agora e rezei agradecendo, aí antes de perder eu tenho o costume de fazer isso, além de agradecer eu rezo uma coisa maior, varia mais, assim fora a promessa. Aí uma vez um colega meu, ele perdeu um objeto que era uma agulha, uma pequena agulha que ele fez um relógio dele de água. Ele pegou aquela agulha que segurava um ponteirinho que marcava o hidrômetro, e essa agulha ele demorou pra fazer que ela tinha uma medida certa, pra fazer dava uma dor de cabeça. Ele tinha muito cuidado com essa agulha, ele perdeu a agulha falei: “e agora rapaz, vou ter a maior aporrinhação pra achar essa agulha de volta”. Falei: “é Santo Antônio, que você acha”, mas falei brincando até, “mas como? Eu perdi essa agulha” tinha uma plantação de amendoim selvagem na chácara dele, tem as folhas pequenas que fosse pra matar cimorro (?), “caiu ali dentro como é que eu acho?”, falei: “mas aí tá o milagre, vai ali reza e procura”, aí ele levou na brincadeira, “não vou rezar, vou perder meu tempo, não (...) vou achar”, eu fiz de brincadeira com ele. Rezei uma Ave-Maria, abri a folha de amendoim selvagem e achei uma agulha perdida no meio do amendoim selvagem. Ele falou: “ó, nunca mais eu vou brincar com isso de devoção, de achar ou perder qualquer negócio de santo”, que isso pra mim foi milagre, achar isso aí.


3.6 - A Patente de Santo Antônio
Trazido de Portugal para o Brasil, a imagem do santo passou a ser venerada da mesma forma que na sua terra natal. Curiosamente, quando o povo mais se ressentia de uma derrota ou de estar em uma situação muito difícil lembrava de pedir a intercessão do santo, e este, prontamente os atendia.
No livro “Santo Antônio – vida, milagres, culto”, pgs. 144-146, Frei Basílio Röwer, nos conta a respeito de algumas dessas batalhas, cuja intercessão do santo salvou o povo brasileiro. Eis o seu relato:

1640 – Quando, em 1640, os ocupantes franceses e holandeses se aproximaram da ilha de Boipeba, ao sul da Bahia, nada tinham os moradores para se defender. Recorreram a S. Antônio, orago da matriz, fecharam-na e foram observando a princípio o movimento do desembarque, daí a pouco viram o contrário. Ficaram livres sem atirar uma só flecha. Voltando à matriz encontraram a imagem de bruço diante de Jesus crucificado, como pedindo proteção. A ele, portanto, atribuíram o feliz desfecho.
1708 – Na guerra chamada dos “Emboabas”, os paulistas eram sempre vencedores e não quiseram aceitar as condições que os portugueses ofereceram para se render. Estes então tentaram a última investida perto de São João Del-Rei. Na muralha de seu fortim colocaram a imagem de S. Antônio. Saindo na manhã do outro dia para dar combate aos paulistas, não encontraram a ninguém. Na imagem de S. Antônio descobriram uma bala engastada no cordão.
1710 – S. Antônio, cuja imagem esteve colocada na muralha do Convento, defendeu o Rio de Janeiro contra os franceses, o que lhe valeu a patente de Capitão de Infantaria.

A respeito da imagem que encontra-se na frente do Convento e um lugar de destaque, Frei Clarêncio Neotti, disse que,

Essa imagem que hoje o povo chama de Santo Antônio do Relento, na verdade já esteve, presidindo o altar-mor do nosso santuário, e é imagem histórica que acompanhou o Exército brasileiro na derrota aos franceses quando eles invadiram a Baía da Guanabara, e em compensação ele foi feito membro do Exército brasileiro e passou a receber soldo como um herói. Esse soldo foi pago a Santo Antônio até 1911, quando uma portaria do ministro, portaria que nunca foi encontrada apesar de todas as pesquisas, cancelou o soldo dele. Mas é uma imagem histórica nesse sentido e talvez a imagem mais antiga que nós temos no Rio de Janeiro conservada e ainda em veneração.

Frei Basílio Röwer, em seu livro ainda conta que,

“(...) nos seguintes Estados do Brasil S. Antônio tem patente de oficial do exército: Paraíba, Pernambuco, Bahia, Espírito Sant, Minas, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás. Recebia antigamente também o soldo correspondente. Era uma esmola que entregavam geralmente aos Conventos Franciscanos para o culto do Santo, em agradecimento pela proteção que dispensava a suas armas”.
Em 1754, o Senado da Câmara da Vila de Igaraçu (Pernambuco) pretendeu até fazer S. Antônio vereador, com a propina de 27$000. O rei não consentiu, mas autorizou que se esse ao Convento Franciscano da localidade a dita propina (...)”.

Mas isso não é tudo, pois Renato Pacheco e Luiz Guilherme Santos Neves, ao escreverem o “Índice do Folclore Capixaba”, Gráfica Ita, Vitória, 1994, pg. 116, no item dedicado a Santo Antônio eles contam que,

“(...) É o padroeiro de centenas de igrejas brasileiras, tendo sido honrado com patentes militares, tais como soldado (como ocorreu no Espírito Santo), alferes, capitão e tenente-coronel, com soldo regularmente pago pelas câmaras municipais, e invocações a sua interferência em horas aflitivas. Nas procissões, saía portando espada, dragonas e condecorações, legítima herança portuguesa. (...)”.


3.7 - As Festas
O discurso folclórico, em toda a sua complexidade, não abrange apenas a palavra, mas também meios comportamentais e expressões não-verbais e até mitos e ritos que, vindos de um passado longínquo, assumem significados novos e atuais, graças à dinâmica da Folkcomunicação
6.
O homem é um ser social e como tal necessita estar em contato com outros seres para trocar idéias, experiências, aprender, ensinar e transmitir os seus conhecimentos.
Na comemoração dos dias santos e padroeiros de cada uma das paróquias brasileiras, as festas bem como a procissão, é o ponto alto dos festejos, e se situam no interregno entre o religioso e o profano.
No capítulo “A Festa como objeto de estudo”, escrito por Maria Nazareth Ferreira e publicado no livro “As Festas Populares na Expansão do Turismo – A Experiência Italiana”, pgs. 13-19, ela conta que,
(...) Estas festas, consideradas “pagãs”
7 após o nascimento do cristianismo, foram objeto de intensa ação da recém-nascida religião com o objetivo de extingui-las. Entretanto, sendo, como eram, manifestações profundamente enraizadas nas práticas cotidianas da população, não restou outra alternativa à Igreja que incorporá-las a sua liturgia. Após vários séculos de estreita simbiosis entre o sagrado e o profano8, atualmente estas manifestações projetam no cenário da pós-modernidade toda a força de suas raízes, as quais, sobrepondo-se aos limites da liturgia e da fé católicas, identificam as verdadeiras faces da cultura como prática cotidiana e como expressão comunicativa. (...) A institucionalização da festa; cada festa comporta uma organização comunitária e uma regulamentação da parte do grupo festivo, que é mais ou menos amplo ou complexo. Neste componente organizacional, ao lado do elemento organizativo-comunitário entra o quadro de referência ideológico anteposto à festa e que, segundo o caso, se refere a um mito de origem ritual ou simbolicamente reatualizado, à lenda de fundamentação de um culto; à imagem de um santo cristão; à um momento crítico da existência ou a um evento histórico, social ou político, que deve ser comemorado e re-evocado, para renovar o impulso de vencer os percalços da cotidianidade através do fenômeno festivo.
(...) Numa festa de significado religioso, podem ocorrer processos modernizadores, transformando-a em espetáculo com conotações mundanas e lúdicas, com estruturas grandiosas e suntuosas que, muitas vezes, fogem ao contexto do meramente religioso. Entretanto, para o entendimento correto da cultura que permeia o fenômeno festivo em questão, será necessário ter presente a força do mito como um dado concreto.
O primeiro deles é a capacidade que a festa tem de trazer para a atualidade, desde longínquas épocas, as experiências culturais vivenciadas por determinada população; o segundo aspecto refere-se ao fato de que, mesmo contrariando as práticas intencionalmente concebidas no momento da festa, os usos e costumes mais profundos vivenciados pela cotidianidade e entranhados no inconsciente afloram, mostrando a verdadeira face de um povo, moldada através da cultura.
Destes dois aspectos existentes no fenômeno “festa”, é possível extrair os elementos de identidade mais significativos de uma determinada cultura, bem como entender estes elementos como um sistema de comunicação, que permite ao observador avaliar como o passado e o presente se articulam no interior desta cultura e as várias formas de identidade que são ao mesmo tempo ressignificadas, assumindo novos aspectos.
Do ponto de vista científico, a festa é um singular objeto de estudo, contemplado por especialistas de todas as correntes. É tão significativo para o homem, como ser comunicativo e social, que se pode afirmar – como o faz Lanternari – que não existe sociedade humana sem festas. Assim, a festa sendo como é, uma categoria da cultura, é um “...espelho no qual o ser humano se reflete buscando respostas para sua condição de precariedade frente à vida”.
(...) A festa deve ser vista como um conjunto de atos cerimoniais de caráter coletivo pela sua colocação dentro de um tempo delimitado, tido como “diverso” da cotidianidade. Em qualquer tipo de festa, o grupo ou a comunidade interrompe o tempo ordinário para entrar, coletivamente, na dimensão de um tempo carregado de implicação cultural e de conotação psíquica própria, diferente daquele tempo ordinário ou cotidiano. Este aspecto pode ser claramente identificado nas festas (...); as pessoas que desfilaram (...), que dançavam e cantavam (...), que encenavam (...), que teatralizavam (...), pareciam estar vivendo um outro momento, diferente de sua cotidianidade; não apenas interpretavam, mas vivenciavam uma experiência cultural de outra ordem.
De fato, o tempo festivo se coloca, com respeito ao tempo ordinário ou cotidiano, como seu complemento dialético, como o ser em relação ao fazer – eu sou (a materialidade do ser, a força de sua existência social) – e, na festa religiosa, como o sagrado em relação ao profano. Fazer festa significa colocar-se diante do espelho, procurando a si mesmo e à sua identidade; é buscar reencontrar as garantias histórico-culturais, reconfirmando-as na força da representação, no ato comunicativo e comunitário. Esta ação de resgatar a própria identidade é fundamental para encontrar-se a si mesmo e recuperar um equilíbrio que pode estar ameaçado. Este resgate, entretanto, é um ato conflitivo, porque significa incorporar novos valores àqueles tradicionais.
(...) Por outro lado, a festa possui uma dupla e contraditória potencialização entre conservação e criatividade cultural. De um lado, empurra o indivíduo à fuga, à evasão da realidade banal, do cotidiano, para mergulhar no momento mágico da festa, que é também o momento do sagrado e do caos primordial. Esta evasão é provocada pelas técnicas que constituem a parte essencial da instituição festiva: o riso, o jogo, a dança, a música, a alegria, o descontrole orgiástico, o dramático etc. De outro lado, o clima festivo abre uma possibilidade psicológica e fornece uma carga de energia psíquica que permite ao indivíduo enfrentar com vigor e independência criativa as batalhas do cotidiano.
(...) O mesmo tom identitário ocorre nas outras festas examinadas, principalmente naquelas festas religiosas cujo santo homenageado é considerado o patrono da cidade; sempre será destacado um episódio histórico e/ou milagroso, relacionando o santo com as raízes histórico-culturais da cidade.

E assim passamos a compreender o porquê das festas em diversos festejos espalhados pelo mundo inteiro.
Ainda a respeito das festas, Cristina Schmidt, analisou a comunicação que é feita através das festas populares e folclóricas em seu artigo “O Comunicador Folk e as Festas de Uma Só”, publicado no Anuário Unesco/Umesp de Comunicação Regional, volume 5, pgs. 35-39,
“(...) É convivendo nesse universo que percebo a dimensão da “Festa como processo comunicacional” balizada pelas teorias da comunicação, da sociologia, da antropologia, da economia, do turismo compondo uma visão transdisciplinar.
As potencialidades culturais e turísticas despontam atualmente pois ocorre o rompimento de fronteiras (transnacionalização, ou globalização), e a “busca das raízes” torna-se um posicionamento do mercado local no mercado globalizado.
Em razão desse processo, posso afirmar que nos dias atuais, as manifestações da cultura popular, particularmente as Festas não manifestam apenas os aspectos tradicionais, mas assimilam características decorrentes desse processo maior, dando-lhes novas formas e novos significados. Pude verificar que elas sofreram adaptações aos modos culturais urbanos por quatro motivos circunstanciais: 1. houve a mudança do homem do campo para a cidade e agora, a sua volta ou a mudança do homem da cidade para o campo; 2. a ocupação urbana da maioria das cidades se ampliou a ponto de ocupar áreas rurais; 3. o fenômeno da conurbação que provoca uma reestruturação física do espaço geográfico e natural da região, e sintomaticamente traz delineamentos na cultura em geral, e nas festas em particular; 4. e a implantação de meios de comunicação de massa locais e regionais.
(...) As festas populares e folclóricas constituem um momento em que o grupo é levado a reencontrar suas origens e, deste modo, também, uma forma de identificação coletiva, de comunicação coletiva. Permitem a liberdade de expressão e a valorização local e até individual. Elas incorporam elementos/códigos novos, “atualizam” os já existentes, ou retomam alguns passados. As festas são expressão e patrimônio simbólico de um grupo social em um processo de comunicação.
Nem urbanas, nem rurais. Essas festas, para as comunidades envolvidas, assemelham-se às das sociedades tradicionais, referidas por Bakhtin como sendo um segmento da vida cotidiana marcadamente constituída por elementos arquetípicos. Os ritos e espetáculos ocupam um espaço muito importante na vida delas, isto por terem uma relação com o extraordinário, o povo penetra no reino utópico da universalidade, liberdade, igualdade e abundância. E independentemente das imposições do mercado, a festa serve de atualização das crenças, dos mitos, do cosmos. A partir do reavivamento de elementos do patrimônio cultural local, o povo todo se renova e renasce.
(...) Para Canclini, essas mesclas, mudanças, encontros e reelaborações se dão em decorrência do que ele chama de “reconversão” econômica e simbólica, “com que os migrantes camponeses adaptam seus saberes para viver na cidade, e seus artesanatos para interessar a consumidores urbanos; quando os trabalhadores reformulam seu processo de trabalho frente as novas tecnologias produtivas sem abandonar suas crenças antigas (...)” e é um processo que ocorre tanto para os receptores/agentes como para os meios de comunicação (Canclini, 1995: 14).
(...) “cada ambiente gera seu próprio vocabulário e sua própria sintaxe, e que cada agente comunicador emprega o canal que tem a mão e que melhor saiba utilizar” (Beltrão, 1990: 40); e eu acrescento, cada mensagem é recodificada dentro do universo sócio/cultural de formação do comunicador folk e no qual atua e tem interesses. Sendo assim, os folkcomunicadores/líderes de opinião vão representar posições diferentes quanto a significação e formatação da festa e, com isso, sustentar/estruturar festas diferentes em momentos diferentes. Daí que eu posso ter várias festas da mesma festa, ou até não tê-la mais”.
No artigo “Pesquisas no Folclore Mágico-Religioso e outras, em Sergipe”, publicado na Revista Brasileira de Folclore, Ano XI, n. 29, janeiro/abril de 1971, pg. 61, que Felte Bezerra nos conta como eram os festejos de Santo Antônio na sua longínqua infância, em Sergipe.
“(...) As festas juninas, ali se compunham das tradicionais novenas de Santo Antônio, que terminavam no dia consagrado a este santo, 13 de junho, e das comemorações da véspera e dia de São João, 23 e 24, e da véspera e dia de S. Pedro, 28 e 29 do mesmo mês.
Na minha infância, as novenas eram rezadas sempre na sala de frente de casas baixas, cujas janelas, devidamente abertas, permitiam a presença de crescida assistência, que se denominava “sereno”.
Todas as rezas eram cantadas em côro, além dos versos recitados em louvor ao Santo, que as entremeavam. Em algumas delas, após o foguetório que assinalava o final da novena, e geralmente no último dia, seguiam-se danças, que se iniciavam após o cuidado precípuo de voltar as imagens do altar, armado na sala de frente, de costas para o público. Sem esse cuidado, jamais era iniciada qualquer dança, um simples bailarico”.
Roberto Benjamin, foi outro catedrático que ao escrever o artigo “Expandindo a Proposta da Obra Fundadora”, publicado no mesmo Anuário (op. cit.), pg. 19-22, nos transmite o conhecimento sobre o que são as festas populares.
“(...) Paulo de Carvalho Neto lembra – no Dicionário de Teoria Folclórica – que “a festa é um conjunto orgânico de várias manifestações de uma só vez, isto é, um complexo (= conjunto de fatos culturais interligados)”.
“Festas” não constituem um padrão único, com características próprias e exclusivas. Ainda que se possa estabelecer características comuns, os seus propósitos e as suas motivações são muito variados. Estamos muito distantes do tempo em que a festa poderia ser definida como um momento de quebra espontânea do cotidiano de trabalho e da inversão das posições sociais naquilo que tem sido chamado de o mundo pelo avesso.
Passemos, portanto, a tentar estabelecer as variadas categorias em que possam ser classificadas as festas, para facilitar a posterior abordagem dos seus processos comunicacionais.
São, no entanto, as festas públicas, as que merecem mais atenção. Uma distinção essencial está entre as festas institucionalizadas – aquelas realizadas por iniciativa de uma instituição, com rituais normatizados e sujeitos aos ditames de autoridade e hierarquia. Tais eventos, no decorrer do tempo, podem cair no gosto popular e serem folclorizados integralmente ou – como no caso de algumas festas religiosas – manter dois momentos distintos, ditos sagrado e profano ou, mais apropriadamente, sujeitos a normatização hierárquica e folclorizados. (...) A outra categoria são as festas espontâneas, tanto os festejos folclóricos tradicionais, como as comemorações públicas de conjuntos de parcela da população urbana, como as comemorações de vitórias esportivas, por exemplo. Aqui ocorre o fenômeno inverso, ou seja, a institucionalização da festa. Vale dizer, cooptação e manipulação da festa espontânea por interesses políticos, religiosos e econômicos. Os desfiles das escolas de samba são o exemplo mais evidente desse tipo de institucionalização no Brasil.
Uma outra chave de classificação das festas (públicas e privadas) é quanto à motivação de sua realização. Segundo a motivação as festas poderiam ser classificadas como religiosas, cívicas, esportivas e político-eleitorais. Naturalmente, essas categorias existem tanto entre as festas institucionais quanto institucionalizadas quando de natureza espontânea.
(...) Os processos comunicacionais que ocorrem na preparação, realização e no tempo que sucede à festa são muito variados, indo desde a comunicação interpessoal – direta e indireta -, comunicação grupal, até a comunicação de massas, para utilizar a velha e didática classificação dos funcionalistas.
Os processos comunicacionais que utilizam a linguagem – verbal ou escrita – apresentam grande facilidade na sua documentação e interpretação, uma vez que estão – salvo exceções – no código lingüístico do pesquisador. (...) As dificuldades para o estudo começam a se agravar quando os processos comunicacionais ocorrem com outras linguagens, tais como a icônica e, especialmente, as diversas linguagens empregadas no rituais.
(...) Um outro elemento a considerar é que as manifestações tradicionais – pelo fato mesmo de serem tradicionais – desenvolveram um percurso histórico, ao longo do qual os significados foram sendo alterados. Assim, é indispensável a utilização do método histórico para a compreensão dos fatos estudados. Essa concepção da dinâmica cultural implica em admitir que no momento da observação estejam sendo atribuídos significados anteriores. Por outro lado, os diferentes participantes de uma festa e a sua assistência poderão atribuir significados bastante variados a um mesmo conteúdo apresentado.
(...) Esta observação é fundamental em relação às festas, especialmente em relação àquelas que se consideravam espontâneas ou folclorizadas e hoje estão sendo convertidas em festas institucionais e manipuladas por interesses religiosos, políticos e especialmente econômicos, passando de eventos comunitários para converter-se em grandes eventos da cultura de massas.
As festas, em geral, vêm sofrendo significativas mudanças em sua organização, no Brasil, resultantes da massificação da cultura, da urbanização, da divisão do trabalho e da modalidade da economia capitalista adotada.
A tradição da festa era a do amadorismo do festeiro. Constituía uma honra o indivíduo ser escolhido para organizar a festa da comunidade. Cabia-lhe o ônus de financiar, com seus próprios recursos, ou de levantar os recursos necessários, através da mobilização da comunidade. Na cultura de massa, o festeiro virou profissional. Agora é denominado como “promotor cultural” ou, mais pedantemente ainda, como “promoter” e já não é uma honra atribuída pela comunidade, mas uma disputa entre pessoas que se propõem não a gastar dinheiro, mas a ganhar dinheiro com a realização da festa.
Através de trechos dos artigos “Folkcomunicação positivo oportunismo de quase meio século”, escrito por Antônio Hohlfeldt, publicado no mesmo Anuário (op. cit.), pgs. 33-34, e o artigo “Comunicação Popular e Região no Brasil”, escrito por José Marques de Melo, publicado na revista Comunicação/Incomunicação no Brasil, Editora Loyola/UCBC, 1976, pgs. 37-48, que concluímos esse capítulo sobre as festas.
“(...) Ora as festas não apenas atualizam quanto reinterpretam, transformam e projetam um episódio ou ritual num futuro imediato. Elas se tornam crescentemente importantes porque, quanto mais ocorrerem – isto é – quanto mais diminuírem o interregno que as separam, melhor podem fazer frente ao esgotamento que a velocidade crescente de nosso universo urbano e industrializado experimenta, graças às tecnologias contemporâneas de informação. A aceleração do ritmo de mudanças só pode ser freado, enfrentado ou, ao menos, controlado, se as festas se sucederem também num ritmo crescente, valendo-se de suas próprias estratégias, de modo a transformá-las quase que ao mesmo tempo em que são transformadas, porque isso lhes permite re-significar as próprias alterações.
Não se trata, pois, de ficarmos presos àquela indagação a respeito da existência ou da sobrevivência do folclore ou da cultura popular. Sabemos que elas sobrevivem, mas sobrevivem transformadas, ao mesmo tempo em que igualmente transformam. Apagam-se, assim, vestígios de dicotomias e oposições: embora haja especificidades em cada estratégia, na verdade vivemos processos comunicacionais muito semelhantes, para estudá-las, de metodologias apropriadas, como bem (...) salientou também Jorge Gonzalez.
(...) resta-nos a certeza do vislumbre iluminado que teve Luiz Beltrão, há quase meio século quando, percebendo determinados fenômenos ao mesmo tempo culturais e comunicacionais, dispôs-se a estudá-los sob esta última ótica – já que sob a outra vinham sendo pesquisados desde o advento dos estudos folclóricos – gerando este novo campo de debate e conhecimento que é a folkcomunicação. (...) Mas tudo o que ele disse a respeito das diferentes manifestações culturais populares podem ser aplicadas genericamente às festas, cujos estudos devem acrescentar, depois, os específicos de cada uma delas, além das questões abrangentes e generalizadoras que ele chegou a sugerir quando aborda a marginalização cultural, no que elas, certamente, se inserem. (Folkcomunicação positivo oportunismo de quase meio século), Antônio Hohlfeldt”.
“(...) Como no mistério do átomo, as regiões possuem as suas unidades subatômicas: os grupos não integrados na cultura dominante, os grupos marginalizados, seja intelectual, econômica, política ou ideologicamente, seja até mesmo etnicamente.
Esses quistos intra-regionais têm de ser considerados no processo da comunicação em guetos que, por não se encontrarem expostos aos mass media ou por não terem acesso aos mesmos, ora por não entenderem a sua linguagem, ora por não poderem adquiri-los ou empregá-los na difusão de suas próprias idéias, esses grupos marginalizados nem por isso se furtam à participação na atividade essencial da recepção e transmissão de mensagens culturais, de formas de saber e esquemas de conduta, de opiniões, atitudes e experiências, sem as quais até a sobrevivência estaria em risco.
(...) A história religiosa não é menos ilustrativa em exemplos do abismo entre o magistério sacerdotal e os crentes. Falam linguagens diferentes. Por tanto tempo sacerdotes e pastores usaram o latim ou as velhas formas medievais de evangelizar; por tanto tempo estiveram à sombra do poder e forma dóceis porta-vozes, adequando a mensagem evangélica à manutenção do status quo, que, agora, empurrados pelo Concílio Vaticano II e pelos ideais ecumênicos dos seus púlpitos para as ruas, as fábricas, as favelas e os grandes centros diversionais, não sabem como agir e falar. A grande massa da audiência não os compreende ou não lhes dá crédito. Ela só acredita, também no que tange à religião, nos seus catimbós.
Catimbó, aqui, significa o universo dos ideais e anseios populares por uma vida melhor, que proporcione a todos oportunidade de libertação do pauperismo físico e espiritual. Libertação da fome, da doença, da sub-informação, libertação do medo, da injustiça, da exploração desumana do seu trabalho, da negação de sua pessoa.
(...) Julgamos que é nosso dever perscrutar os horizontes, recolher e analisar os dados, a fim de levarmos ao povo a nossa mensagem, ajudando-o a expressar a sua opinião e manifestar seus anseios de libertação material e espiritual. (...) busquemos pesquisar regionalmente os catimbós, aquilo em que crê o homem marginalizado da sociedade urbana e rural, surpreendendo o processo mediante o qual essas populações se informam e cristalizam suas opiniões para uma ação próxima ou remota. (Comunicação Popular e Região no Brasil) José Marques de Melo”.

3.8 - Os ex-votos e o pagamento de promessas
O católico fervoroso quando necessita de alguma graça, faz sacrifícios, se humilha, pede e promete, que se a graça for alcançada, ele irá pagar a promessa de uma determinada maneira. Isso tem sido feito há séculos pelos devotos de qualquer santo.
Para falar sobre a origem dessa determinação do ser humano em pagar promessas ouvimos diversas pessoas e em seus relatos conseguimos distinguir de onde vem essa vontade do homem e da mulher pagarem promessas.
Eis o depoimento de Maria Jocélia de Souza, conhecida em Mineiros como “Maria Rezadeira”,

(...) pra chegar um, com (?), uma perna é um braço, é não sei o quê. Graças a Jesus, graças a Deus que Ele tá poderoso, que é maior, entra no meu terreiro e Deus ajuda, que quando sai, sai melhor. Aí então isso é uma graça de Deus, que eu segui.

Ao ser indagado sobre os ex-votos, ou milagres de cera como ele conhece, Paulo Roberto Soares de Souza, conta que,

(...) no caso que são as pessoas católica que quando tem uma enfermidade, seja na cabeça, seja no braço, seja mulher no útero, seja o homem aonde for na próstata, ou seja na perna, tá com enfermidade faz aquele pedido ao santo de sua devoção, então ele conseguindo aquele pedido, ele vai, entendeu? Lá naquela igreja, naquele santo que ele fez o pedido e coloca aquela pasta naquela área que ele foi beneficiado pelo aquele santo, né?

Ao receber uma graça alcançada, o povo agradece ao santo que intercedeu de várias formas, uma delas são os ex-votos. Em seu depoimento a idosa Durvalina Ribeiro Gama, que por sinal havia trabalhado muitos anos antes na Igreja de Santo Antônio declarou que,
(..) é bilhetinho, agora não, porque eu já não fico muito à frente, lá da igreja, mas quando eu ajudava muito na igreja, nos pés dele, no dia de Santo Antônio, ou qualquer dia que fosse limpar encontrava sempre muito bilhetinho, pedindo muita coisa de tudo, de tudo, porque ele é muito poderoso, Santo Antônio faz grandes coisas (...)

Mas diferentemente em relação a Santo Amaro, conhecido como santo da Baixada Campista, a Igreja de Santo Antônio, em Guarus, não possui uma sala para guardar os ex-votos. A respeito disso o padre Paulo Henrique explicou que,
“Com certeza esse fato é verídico, há sim em Aparecida do Norte, que tem uma sala lá de ex-votos, aqui nós não temos, mas as pessoas de vez em quando chegam e deixa um rim, uma cabeça, uma perna e é costume também deixar, embora a gente saiba que Deus ele quer nosso coração, e aquilo é só uma demonstração talvez do local físico onde aconteceu a intervenção de Deus, então é mais ou menos comum isso acontecer, aqui nós não temos”.

E ao conhecer o casal Antônio Carlos Carvalho de Souza, marido de Adriana, Ministra da Eucaristia e Guardiã da Capela de Santa Maria, localizada na rua Nazário Pereira Gomes, no bairro do Fundão, em Guarus, esse pesquisador acaba encontrando nele, não apenas o fiel, devoto de Santo Antônio, mas o resultado de uma homenagem ao santo, diante do milagre da vida, que ele mesmo conta,

Meu nome seria Carlos Irineu, mas pela minha mãe na época da gravidez ter problema de saúde, ela fez uma promessa a Santo Antônio se tudo corresse bem com ela, e eu nascesse bem, meu nome seria, passaria a ser Antônio Carlos, Antônio, né? Em homenagem a Santo Antônio pelo pedido que ela fez, e graças a Deus correu tudo bem, hoje eu me chamo Antônio Carlos pro essa homenagem a Santo Antônio.


3.9 - As Recordações
Ao empreender um vasto trabalho de pesquisa para a sua tese de doutorado, Luiz Beltrão chama-nos a atenção para diversos objetos e folhinhas impressas com figuras de santos de um lado e do outro, uma oração ou um agradecimento, as quais são conhecidas pelos nomes de “lembrai-vos” e “piedosas recordações”.
No livro “Folkcomunicação: Teoria e Metodologia”, editora UMESP. 2004. pg. 139-142, ele relata que encontrou essas folhinhas com a imagem de Santo Antônio e uma oração que descrevemos a seguir:

“Antoninho pequeninho
se vestia e se calçava,
sua mãe lhe perguntava:
Onde vais Antoninho?
Vou dar descanso eterno ao Geraldinho”.


3.10 - Os Oratórios
A fé do ser humano não possui limites, e na dificuldade em encontrar um bom lugar para rezar para o seu santo protetor, o homem criou oratórios, onde ele finalmente colocar a imagem do seu santo em um local adequado e depois em silêncio orar por ele, agradecendo e pedindo graças que foram alcançadas ou que ainda não foram alcançadas.
O “Almanaque Santo Antônio”, publicado pela Editora Vozes, em sua página 74, nos conta sobre os diversos tipos de oratórios e suas finalidades como veremos a seguir:
3.10.1 - Oratórios de Viagem
Estes objetos têm como característica o fato de serem itinerantes. Nessa categoria existem: os oratórios da algibeira, assim chamados pelo tamanho diminuto, que possibilita serem transportados no bolso do fiel; os oratórios de esmoler usados pelos mendicantes eram pendurados no pescoço e podiam possuir uma gaveta para guardar o dinheiro arrecadado; os oratórios arca, que eram transportados por padres a localidades distantes, para celebração dos casamentos, batizados, missas fúnebres, etc.; os oratórios bala, assim denominados pelo formato semelhante ao das balas de cartucheira, muito usados por tropeiros; os oratórios alcova, que passavam de mãe para filha, que dos mosteiros de freiras iam para as casas dos fiéis; além do belo oratório pingente, usado como jóia por mulheres brancas, negras ou índias.
3.10.2 - Oratórios Populares
Nessa categoria existem oratórios de salão, oratórios de alcova ou de quarto e oratórios ermidas. As chamadas ermidas eram grandes oratórios que cumpriam a função doméstica e pública da Capela, especialmente nas propriedades rurais que, longe das vilas, necessitavam de um local próprio para o cumprimento dos ofícios católicos. A cultura colonial possibilitou ainda a formação de um sincretismo religioso, onde as misturas étnicas enriqueceram a arte do período. Foi o que se verificou através dos oratórios afro-brasileiros, elaborados pela mão negra escravizada. Esses oratórios, toscamente confeccionados, eram bastante ricos em elementos simbólicos. Apareceram ainda oratórios rústicos, de enorme singeleza, também usados pelas camadas mais modestas da população. Qualquer invólucro, por mais simples que fosse, cumpria sua função de morada do santo de devoção.
3.10.3 - Oratórios Eruditos e de Referência Artística
Nos salões de classes mais abastadas, buscava-se ornamentar os oratórios de maneira mais elaborada. Aí a decoração era esmerada e mantinha certos padrões formais, nos motivos, na iconografia, na policromia, etc. Entre os exemplares mais significativos encontra-se algumas preciosidades como um oratório elaborado dentro de um ovo de ema, os oratórios-concha, os oratórios lapinha, grandes e ricas ermidas e oratórios de salão de talha requintada. Alguns oratórios transitam entre o erudito e popular, possuindo ricos detalhes aliados ao formato simples de pequenos armários.


3.11 - Orações deixadas por Santo Antônio
Ainda na revista “Antônio – O Santo do Povo”, há orações para diversos fins, bem como o texto da Trezena de Santo Antônio, o Pão, o Responso e a Ladainha de Santo Antônio, que descrevemos a seguir:
3.11.1 - Oração pela família
Querido Santo Antônio! Abençoai e protegei a nossa família. Conservai-a sempre unida no amor. Assisti-a nas necessidades temporais e afastai dela todo o mal. Abençoai-nos. Fazei que nunca nos falte trabalho como também todas as coisas necessárias para podermos viver honestamente e educar bem os filhos que Deus nos dá. Abençoai os nossos filhos. Conservai-os sãos, praticantes do bem. Ajudai-os nos estudos e no trabalho e não permitais que, no meio deste mundo, percam a fé e a pureza. Fazei que sejamos capazes de compreender os nossos filhos e guiá-los com a palavra e o exemplo. Que eles desejem sempre alcançar os ideais mais belos e possam realizar na vida a vocação humana e cristã. Amém.
311.2 - Oração para achar objetos perdidos
Eu vos saúdo, glorioso Santo Antônio, fiel protetor dos que em vós esperam. Já que recebestes de Deus o poder especial de reencontrar os objetos perdidos, socorrei-me neste momento, a fim de que, mediante vosso auxílio, eu encontre o objeto que procuro (dizer o objeto). Alcançai-me, sobretudo, uma fé viva, uma esperança firme, uma caridade ardente e uma docilidade sempre pronta aos desejos de Deus. Que eu não me detenha apenas nas coisas deste mundo. Saiba valorizá-las e utilizá-las como algo que nos foi emprestado e lute sobretudo por aquelas coisas que ladrão nenhum pode arrebatar e nem iremos perder jamais. Assim seja.
3.11.3 - Oração na doença
Rezei. Supliquei. Gritei. Chorei... como os doentes do Evangelho que corriam ao encontro de Jesus pelas estradas da Palestina. A resposta que sempre ouvi cada vez mais dentro de mim foi: “Tenha fé!”. Santo Antônio, neste momento recorro a ti, a ti que tens um coração de misericórdia, como o coração de Cristo. Tem piedade de mim, ó bom santo! Apresenta-me a Jesus Redentor e Salvador para que eu obtenha a minha cura. Louvarei também eu, como os agraciados do Evangelho, a sua grandeza e o seu poder. Se, porém, nos desígnios de Deus, a minha vocação e a minha vida forem marcadas pela doença, ajuda-me a vivê-las como expressão do amor. Sinto-me tremer, ó Santo querido, ao pedir-te isso, porque o sofrimento machuca como machucou Cristo na cruz, homem das dores que aceitou sofrer. Tenho medo, mas dá-me então a fé dos fortes para que eu continue orando, agradecendo e vivendo. Amém.
3.11.4 - Oração dos Namorados
Grande amigo Santo Antônio, tu que és o protetor dos namorados, olha para mim, para a minha vida, para os meus anseios. Defende-me dos perigos, afasta de mim os fracassos, as desilusões, os desencantos. Faze que eu seja realista, confiante, digno(a) e alegre. Que eu encontre uma pessoa que me agrade, seja trabalhadora, virtuosa e responsável. Que eu saiba caminhar para o futuro e para a vida a dois com as disposições de quem recebeu de Deus a vocação sagrada de formar uma família. Que meu namoro seja feliz e meu amor sem medidas. Que todos os namorados busquem a mútua compreensão, a comunhão de vida e o crescimento na fé. Assim seja.
3.11.5 - Ladainha de Santo Antônio
Senhor, tende piedade de nós.
Jesus Cristo, tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.
Jesus Cristo, ouvi-nos.
Jesus Cristo, atendei-nos.
Deus, Pai do céu, tende piedade de nós.
Deus Filho, Redentor do mundo, tende piedade de nós.
Deus, Espírito Santo, tende piedade de nós.
Santíssima Trindade, que sois um só Deus, tende piedade de nós.
Santa Maria, concebida sem pecado original, rogai por nós.
Santo Antônio, glória da Ordem Seráfica, rogai por nós.
Santo Antônio, Arca do Testamento,...
Santo Antônio, Santuário da celeste sabedoria,
Santo Antônio, vencedor das vaidades do mundo,
Santo Antônio, vencedor das tentações,
Santo Antônio, prodígio de penitência,
Santo Antônio, espelho de obediência,
Santo Antônio, pérola de pobreza,
Santo Antônio, exemplo de humildade,
Santo Antônio, lírio de pureza,
Santo Antônio, amante apaixonado da Cruz,
Santo Antônio, fornalha de caridade,
Santo Antônio, mártir do desejo,
Santo Antônio, zelador da justiça,
Santo Antônio, ardente pregador do Evangelho,
Santo Antônio, luzeiro que ilumina os pecadores,
Santo Antônio, apóstolo dos infiéis,
Santo Antônio, modelo de perfeição,
Santo Antônio, consolação dos aflitos,
Santo Antônio, defensor dos inocentes,
Santo Antônio, libertador dos prisioneiros,
Santo Antônio, guia dos pecadores,
Santo Antônio, médico dos enfermos,
Santo Antônio, semeador de milagres,
Santo Antônio, que restituís a fala aos mudos,
Santo Antônio, que dais ouvido aos surdos,
Santo Antônio, que restituís a vista aos cegos,
Santo Antônio, que fazeis andar os coxos,
Santo Antônio, que expulsais os demônios,
Santo Antônio, que ressuscitais os mortos,
Santo Antônio, que fazeis aparecer as coisas perdidas,
Santo Antônio, que amansais o furor dos tiranos, rogai por nós.
Das ciladas do demônio, livrai-nos, Santo Antônio.
Do raio e da tempestade, livrai-nos, Santo Antônio.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo,
perdoai-nos, Senhor.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, ouvi-nos, Senhor.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo,
tende piedade de nós.
Rogai por nós, ó Santo Antônio, para que sejamos dignos das promessas de Cristo.
3.11.6 - O Pão de Santo Antônio
A história do “Pão de Santo Antônio” remonta a um fato curioso que é assim narrado: Antônio comovia-se tanto com a pobreza que, certa vez, distribuiu aos pobres todo o pão do convento em que vivia. O frade padeiro ficou em apuros, quando, na hora da refeição, percebeu que os frades não tinham o que comer: os pães tinham sumido. Atônito, foi contar ao santo o ocorrido. Este mandou que verificasse melhor o lugar em que tinha deixado. O Irmão padeiro voltou estupefato e alegre: os cestos transbordavam de pão, tanto que foram distribuídos aos frades e aos pobres do convento.
O pão simboliza tudo. Simboliza a vida, simboliza a fraternidade. Quando se diz que falta pão, dizemos que falta comida, falta alimento, falta o necessário para a vida. Por isso, Jesus ensina a pedir o pão de cada dia, em outras palavras, pedimos que Deus nos conceda a vida, para que possamos realizar a sua vontade. Através de Santo Antônio, Nosso Senhor está convidando continuamente os cristãos a pensarem no bem do próximo, a amarem o próximo como a si mesmos e a darem uma atenção especial ao necessitado, ao pobre.
3.11.7 - Benção dos Pães de Santo Antônio
V. A nossa proteção está no nome do Senhor.
R. Que fez o céu e a terra.
V. O Senhor esteja convosco.
R. Ele está no meio de nós.
Oremos
Senhor Jesus Cristo, Pão dos Anjos, Pão vivo da vida eterna, dignai-vos abençoar + estes pães assim como abençoastes os cinco pães no deserto, para que todos os que deles comerem, recebam saúde da alma e do corpo, paz e harmonia na família e possam partilhar, com os irmãos e irmãs mais necessitados, os bens recebidos de Deus. Vós que viveis e reinais por todos os séculos dos séculos. Amém.
3.11.8 - Responso de Santo Antônio
Se milagres desejais
Contra os males e o demônio
Recorrei a Santo Antônio
E não falhareis jamais.
Pela sua intercessão
Foge a peste, o erro e a morte,
Quem é fraco, fica forte,
Mesmo o enfermo fica são.
Rompem-se as mais vis prisões,
Recupera-se o perdido,
Cede o mar embevecido
No maior dos furacões.
Penas mil e humanos ais
Se moderam, se retiram:
Isto digam os que viram,
Os paduanos e outros mais.
Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo,
Como era no princípio, agora e sempre. Amém.
3.11.9 - Trezena de Santo Antônio
1 – Glorioso Santo Antônio, que ressuscitastes os mortos com o poder divino, fazei que eu viva sempre a preciosa vida de comunhão com Deus e com os irmãos: que todos tenham a vida em plenitude.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
2 – Bem-aventurado Santo Antônio, que curastes os doentes, daí-me saúde e servirei a Deus cumprindo meus compromissos cristãos. Ajudai-me a viver na alegria e na paz.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
3 – Virtuoso Santo Antônio, afastai para longe de mim todo o mal e guiai-me no caminho da fé, da esperança e do amor. Que muitos possam encontrar em mim um exemplo de fé e dedicação.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
4 – Amabilíssimo Santo Antônio, amigo dos oprimidos e corajoso pregador da justiça, fazei que eu não me desvie da prática do amor ao próximo, especialmente ao mais pobre e fraco.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
5 – Poderoso Santo Antônio, que desde menino aprendestes a vencer o mal, defendei-me das tentações do orgulho e da ganância, da descrença e do egoísmo. Ajudai as crianças e os jovens a crescerem sem violência, na certeza de um mundo melhor.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
6 – Prodigioso Santo Antônio, dirigi-me neste agitado mar da vida e conduzi-me ao porto da eterna salvação. Fazei que a todos seja aberto o tesouro da misericórdia divina.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
7 – Bondoso Santo Antônio, sempre pronto a interceder por vossos devotos em suas dificuldades, socorrei-me nas presentes necessidades, estendei vossa mão a quantos estão atravessando tribulações e perigos.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
8 – Santo Antônio, Médico celeste, curai as feridas que existem no mundo e no meu coração. Que muitos possam se converter à Palavra do Evangelho. Ajudai-me a corrigir meus defeitos.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
9 – Santo Antônio, Consolador dos aflitos, daí-me paciência e fortaleza nos sofrimentos da vida. Daí também forças e consolo àqueles que sofrem e vivem desanimados.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
10 – Santo Antônio, Restituidor das coisas perdidas, fazei que eu jamais perca pelo pecado a amizade de Deus; e se porventura a perder, seja-me dado readquiri-la o quanto antes.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
11 – Santo Antônio, grande Pregador da Palavra de Deus, conservai-me sempre fiel à doutrina da Igreja Católica. Que nossas famílias sejam pequenas Igrejas domésticas onde se aprende e se vive a mensagem de Cristo.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
12 – Poderosíssimo Santo Antônio, por quem membros desligados do corpo reúnem-se recobrando vida, fazei que a Igreja, como povo de Deus, caminhe sempre na união entre pastores e fiéis.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória
13 – Santo Antônio querido, olhai do céu para tantas necessidades. Fale a Deus vossa língua milagrosa, a fim de que, pela “Comunhão dos Santos”, aqui na terra, eu e meus irmãos, possamos ser amparados e atendidos. Amém.
Pai Nosso, Ave Maria, Glória.


3.12 – O negro na história do Brasil, e de Campos dos Goytacazes
É necessário fazer aqui um pequeno relato da história do país, desde o descobrimento, passando pelas capitanias hereditárias para que possamos compreender a entrada do homem negro em nosso país até a sua colaboração no contexto folclórico de nossa terra e construção da igreja dedicada a Santo Antônio, em Guarus. Segundo dados colhidos na Enciclopédia Conhecer, volume II, p. 334, edição 1971, Editora Abril Cultural,
“os europeus já utilizavam o trabalho escravo no século XIV. No Brasil, os portugueses tentaram escravizar inicialmente os índios, mas seu sistema primitivo era completamente diferente e os homens não estavam aptos ao trabalho sistemático e sedentário, além de não conhecer os instrumentos agrícolas de metal. Como os jesuítas também estavam empenhados em colocar dificuldades, os portugueses então se voltam para a África, até porque desde 1550, 10% da população de Lisboa eram constituídos por escravos, e o mesmo esquema foi implantado no Brasil”.
E é no artigo “Viagens do Rosário entre a Velha Cristandade e o Além-Mar”, de Juliana Beatriz Almeida de Souza, publicado no livro Estudos Afro-Asiáticos, ano 23, n. 2, 2001, pp. 386-389, que passamos a compreender de que forma Portugal conseguiu conquistar os africanos e de que forma saíram daquele continente, homens, mulheres e crianças como escravos.
“Só a partir das duas últimas décadas do século XV a cristianização da África negra conheceu medidas e resultados consistentes. Com D. João II e D. Manuel I, o esforço apostólico da Coroa portuguesa passou dos atos isolados à adoção de uma política assentada, em traços gerais, na conversão dos reis gentios e na formação de um clero nativo (Riley, 1998:162)
(...) A terceira zona identificada por J. F. Marques abrangia o reino do Congo e a ponta meridional costeira da África. A chegada ao Reino do Congo, depois de meio século de investidas para o reconhecimento da costa ocidental da África e do golfo da Guiné, revelou aos portugueses uma área na qual não havia a influência islâmica.
Em fins do século XV, D. João II mandou a primeira expedição, sob o comando de Diogo Cão, que saiu do Tejo em direção à feitoria da Costa da Mina. Após curta estada, Diogo Cão rumou para o Sul e alcançou a foz do Rio Congo. Desembarcou na margem esquerda e erigiu em Mpinda, porto de desembarque que seria de passagem obrigatória nos séculos XV e XVI, o padrão de S. Jorge. Ali, entrou em contato com Nsoyo, chefe da localidade e soube que no interior ficava a Corte do mani Congo, Nzinga-a-Nkuwu, chefia máxima do reino. O reino do Congo, naquela época, abrangia grande parte da África centro-oriental e se dividia em províncias, como a de Nsoyo, administradas por linhagens nobres. Mbanza Kongo era a capital, centro de poder de onde o mani Congo administrava a confederação juntamente com um grupo de nobres que formavam o conselho real (Vainfas & Souza, 1998:97).
Diogo Cão enviou emissários portugueses rio acima, levando, segundo a crônica de João de Barros, um presente ao rei da terra. Como não regressaram dentro do prazo, Diogo Cão voltou ao Reino português levando alguns nativos como reféns. De volta ao Congo, esses homens foram integrados em uma embaixada de D. João II ao mani Congo. Segundo a famosa crônica de Garcia de Resende, do século XV, o rei português ofertava sua amizade e convidava o rei congolês à fé cristã, recomendando-lhe que deixasse os “ídolos e feitiçarias” que adoravam em seu Reino. Diogo Cão desceu em terra os congoleses que levara para Portugal e recolheu os portugueses que tinham ficado da sua primeira viagem. As informações obtidas pelos dois lados facilitaram a ulterior recepção do mani Congo, tendo cumprido aí papel importante os reconduzidos reféns congoleses.
(...) A colonização do território de Angola teve sua base inicial nos contatos com o reino do Congo. A ex-província Ngola, após sua independência do reino do Congo, mandou uma embaixada a Portugal pedindo missionários para instruírem o reino de Angola na fé cristã. Segundo Araújo & Santos (1993:653), entretanto, mais que o interesse na conversão, o soberano de Angola, reconhecendo a importância que as relações com Portugal conferiam ao rei congolês e buscando afirmar sua independência, tentava, com a embaixada, reatar o tráfico de escravos na região e com isso ganhar poder econômico e político em relação ao rei do Congo. Em 1559, foi enviada uma missão chefiada por Paulo Dias de Novais para, entre outros fins, converter o rei angolano e suas gentes.
Embora ao longo de todo o século XVI os portugueses continuassem a enviar escravos a partir do porto de Mpinda e do Loango, via S. Tomé, depois da fundação de Luanda, em 1575-76, Angola tornou-se o principal fornecedor de escravos.
No Congo, como em Angola, a missionação esteve presente junto aos primeiros esforços colonizadores, mas encontrou muitas dificuldades com o passar dos anos. E não se pode deixar de enfatizar que o maior problema da missionação, sem dúvida, foi a escravatura, da qual os religiosos não puderam passar ao largo”.
O Almanaque Abril 1995, pgs. 158 e 159, da mesma editora, relata que:
“Sem dinheiro para bancar os custos de um processo de colonização centralizado, Dom João III adota o modelo que já experimentara com sucesso nas possessões da África – o das Capitanias Hereditárias. (...) Pelo sistema de Capitanias Hereditárias, implantado entre 1534 e 1536, a Coroa repassa para a iniciativa privada a tarefa e os custos de promover a colonização.
A Colônia é dividida em 15 donatarias, ou capitanis: faixas paralelas de terra, com 50 léguas de largura, que vão do litoral até os limites do Tratado de Tordesilhas. São doadas a 12 capitães donatários, geralmente membros da pequena nobreza enriquecidos no comércio com o Oriente. Em troca das terras, comprometem-se com a Coroa em desenvolver a agricultura canavieira e montar engenhos de açúcar, produto raro e muito valorizado na Europa”.
E na página 159, o Almanaque faz menção a entrada do negro no Brasil.
“O trabalho compulsório do indígena é usado em diferentes regiões do Brasil, até meados do século XVIII. A caça ao índio é um negócio local e os ganhos obtidos com sua venda permanecem nas mãos dos colonos, sem lucros para Portugal. Por isso, a escravização do nativo brasileiro é gradativamente desestimulada pela metrópole, e é substituída pela escravidão negra. O tráfico negreiro é um dos mais vantajosos negócios do comércio colonial e seus lucros são canalizados para o reino.
A primeira leva de escravos negros que chega ao Brasil vem da Guiné, na expedição de Martim Afonso de Souza, em 1530. A partir de 1559, o comércio negreiro se intensifica. A Coroa portuguesa autoriza cada senhor de engenho a comprar até 120 escravos por ano. Sudaneses são levados para a Bahia e bantus espalham-se pelo Maranhão, Pará, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo.
O tráfico negreiro é oficializado em 1568 pelo Governador-Geral, Salvador Correa de Sá. Em 1590, só em Pernambuco registra-se a entrada de 10 mil escravos. Não há consenso entre os historiadores sobre o número de escravos trazidos para o Brasil. Alguns, como Roberto Simonsen e Sérgio Buarque de Holanda, estimam esse número entre 3 milhões e 3,6 milhões. Caio Prado Júnior supõe cerca de 6 milhões e Pandiá Calógeras chega aos 13,5 milhões”.
Com estes pormenores fica fácil compreender a entrada do homem negro em nosso país, e Alberto Ribeiro Lamego, em seu livro “O Homem e o Brejo”, p. 82, conclui que,
“A sua aversão ao colonizador deve ter nascido não somente das tentativas bárbaras de escravização, como também de uma consciência inata de superioridade racial, oriunda de predomínios seculares”.
Isso por si só demonstra o porquê da Capitania de São Tomé, não ter conseguido se desenvolver como as de São Sebastião e Pernambuco. E na página 84, Alberto Lamego mostra através do relato de Couto Reis, em 1785, a forma com que os índios viam a chegada do homem branco e os diversos casos de morticínio que os homens brancos causaram a tribo goitacá dessa planície.
“(...) Ouvi os Coroados dizerem que muito se descontetavam em ver os brancos irem fazendo roças pela vizinhança da sua nova aldeia, e que aquilo se dirigia a tomarem posse das terras que o Capitão Grande lhes tinha dado: assim como antigamente já tinham praticado com os seus parentes que estiveram na aldeia de Santo Antônio de Guarulhos”.
Com esse relato, notamos aqui dois pontos importantes para esse trabalho; primeiro, o fato de existir uma aldeia e uma capela com o nome do Santo e, segundo, a origem do nome do Distrito, hoje, bairro de Campos em homenagem a uma tribo de índios que ali viveu. Na página 72, do mesmo livro, Alberto Lamego conta que,
“Disso temos mais recente exemplo em Couto Reis, que estranhamente omite a existência dos Guarulhos, dos quais já ninguém se lembra, mas cujo nome permanece ainda na povoação que evoluiu da aldeia indígena em frente a Campos, e que prolonga a cidade pela margem esquerda do Paraíba
9.
É possível fossem os mesmos Saruçus, aldeados segundo o cronista em Nossa Senhora das Neves, na margem esquerda do Rio Macaé, onde Cornélio Fernandes coloca uma aldeia de Guarulhos
10.
Sobre esses índios, há uma importante informação na Storia delle Missioni Del Capuccini do Pe. Rocco Cesinale, que denota ao mesmo tempo o seu remoto aldeamente. “Guarulhos e Guarus erano indi sulle rive del Paraíba del sud frai quali entrati Gio. Battista e compagni come prima posero stanza in Rio de Janeiro, furono accolti com umanità, com carità li raccolsero; onde uma nuova aldeã intitulata al santo lusitano di fronte a campo “...” Accanto ai Missionari francesi troviamo fin d’allora gli italiani. I prima tra i Guarulhos ter anni dopo l’ingresso dei confratelli (1672) in altra aldea più a ponente sulle sponde del Muriaé. Altri andarano ai goitacazi feroci ed antropofagi, per comporne nuove popolazioni. Um. p. Paolo Assunce poi cura Del borgo di S. Salvatore, oggi città di Campos”
11.


3.13 - A Construção da Igreja de Santo Antônio em Guarus
Antes de iniciarmos o relato sobre a história da igreja de Santo Antônio é interessante salientarmos aqui alguns fatos. De acordo com Luís da Câmara Cascudo, em seu livro “Dicionário do Folclore Brasileiro”, p. 17, 9ª edição, S. Paulo, 2000:
“Antônio (santo) – Um dos santos de devoção mais popular no Brasil. Suas festas quase desapareceram, mas o prestígio se mantém nos assuntos de encontrar casamento e encontrar as coisas perdidas. Trouxeram os portugueses o culto Antonino, que se divulgou e fixou através dos tempos. Incontáveis as orações que lhe são dedicadas, especialmente citadas as Trezenas e a Recitação do Responso, infalível na obtenção de graças. As Trezenas são treze dias oferecidos ao santo, com orações e leituras de exemplos de sua vida. Uma tradição, conservada oralmente há mais de um século, (...) Apesar das mudanças e bajulações corográficas, o Brasil possui setenta localidades com o nome de Santo Antônio (Guia Postal Telegráfico do Brasil, 1940)”.

Em outro livro, “Superstição no Brasil”, Editora Global, São Paulo, 2001, p. 440, o mesmo autor relata que:
“Durante meses em 1947 investiguei a popularidade de alguns santos na fidelidade brasileira. (...) Não enfrentei as 3.110 paróquias de 1953, quanto mais as do presente. A notícia municipalista é de 1965, IBGE”.
Nessa pesquisa, Luís da Câmara Cascudo, relata que a preferência é de santos sobre santas. E “em 1.391 paróquias, 909 santos paraninfam para 482 padroeiras”. Em seguida, o mesmo autor mostra quais são os santos preferidos dos brasileiros. Em segundo lugar na preferência, vem, “Santo Antônio, em 228 municípios e 62 distritos”.
Em seu depoimento, a historiadora do Museu de Campos (localizado na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, e mais conhecido como o Palácio da Cultura), Silvia Paes, relata de que forma surgiu a construção da atual Igreja de Santo Antônio, em Guarus:
“A igreja de Santo Antônio de Guarus tem muito pouca coisa escrita sobre ela, mas a gente consegue pescar uns pedacinhos de (...) pra juntar o quebra-cabeça, e segundo consta a Igreja de Santo Antônio ela resulta da demolição. Não é bem demolição, da destruição com o tempo, não foi uma destruição proposital da última capelinha que havia ainda na Aldeia, dos índios goitacá em Guarus, próximo no local onde hoje é aquele bairro da Aldeia. Era ali uma capelinha, e essa capela caiu numa chuva. Era um capela muito simples e os moradores, o que restou da antiga Aldeia, mais os moradores próximos pediram à Câmara Municipal que fosse construído uma nova igreja. E essa igreja demorou muito a sair. Os barões que tinham terras em Guarus entre eles, o Barão de Muriaé por exemplo, doou a porta da igreja, outros doaram tijolos, telhas, emprestaram escravos para construir a igreja, e a igrejinha de Santo Antônio de Guarus então foi erguida dessa forma. E a antiga capela que abrigou os santos e o Santíssimo durante a construção da igreja, ela ainda existe, na (Rua) Nazário Pereira Gomes, é uma capela muito pequena, muito singela, mas que tem um significado muito grande para os moradores daquela região. Ela inclusive está sendo não restaurada, porque ela também não tem assim um estilo arquitetônico relevante, mas ela está sendo recuperada goteira, telha, essas coisas atualmente, pela comunidade”.
De acordo com o histórico da igreja, entregue a este pesquisador pelo Centro Paroquial Santo Antônio,
“(...) Tudo começou em 1659, quando dois missionários franceses conseguiram com que alguns índios aceitassem se assentar numa aldeia de Guarulhos. Com o tempo, os selvícolas se rebelaram, até que em 1682 a aldeia foi entregue pela Coroa à Ordem de Santo Antônio, do Rio de Janeiro. Mas quando os missionários chegaram para substituir os capuchinhos franceses, já encontraram a aldeia catequizada e erguida um capela de palha.
Decidiu o Padre Ângelo Pessanha substituir a tosca capela por uma outra, construída com pedras e telhas de barro, passando, ainda a cultivar as terras em volta, nas quais foram plantadas milho, feijão e mandioca, além da criação de galinhas, gado cavalar e vacum.
Com o tempo, dos 500 índios aldeados em 1682, em 1706 só restavam 37 casais. Estes receberam as terras junto à aldeia, mas elas já estavam incorporadas à Fazenda Moriboca, do Colégio Jesuíta do Espírito Santo, que, por sua vez, já haviam aforado a sesmaria a diversos lavradores. Este fato revoltou os índios, seguindo-se violentas lutas que se prolongaram por diversos anos. Muitos índios que haviam retornado a aldeia tiveram que fugir novamente para o sertão. Alguns poucos, porém, já catequisados, continuaram submissos aos missionários. A capela do aldeiamento indígena se situava às margens do Rio Muriaé. Quando da deterioração da capela, devido às lutas entre fazendeiros e índios, alguns proprietários rurais decidiram pela construção de uma nova igreja, desta vez, à margem do rio Paraíba. Corria o ano de 1852, quando dessa decisão.
Em 1855 a primeira pedra da nova construção foi conduzida por uma canoa enfeitada até o terreno escolhido para a Igreja, que fora adquirido pelo Barão de Muriaé. A área media 100 x 50 braças. João Peixoto de Siqueira fez a doação de todas as portas do templo e formou-se uma comissão para tratar das obras. Esta comissão estava o Barão de Muriaé, Barão de Itabapoana e José Francisco da Cruz Peixoto. Embora iniciada com grande ânimo, as obras foram logo depois interrompidas e só em abril de 1857 retomadas, ficando os alicerces prontos no mesmo mês e, em junho, levantadas as paredes. A planta inicial apresentava um zimbório que não chegou a ser construído. Na sessão da Câmara Municipal de 17 de julho de 1865, os vereadores Thomaz Coelho e Joaquim Faria, propuseram entregar ao Pároco de Guarulhos a obra da Matriz, assim, como o material ali existente, tendo o sacerdote se compromissado a prosseguir com a edificação. Assim a obra foi entregue ao Vigário Joaquim Pacheco, que desenvolveu intensa campanha para a conclusão do templo, que é considerado um dos mais belos da cidade, com suas simétricas arcadas e colunas quadranguladas. O Vigário Joaquim Pacheco esteve à frente da Paróquia de Guarulhos durante 40 anos, sendo muito estimado por todos”.
E Júlio Feydit, em seu livro “Subsídios para a história dos Campos dos Goytacazes – Desde os tempos coloniais até a Proclamação da República”, pg. 315, relata com alguns pormenores como foi construída a igreja:
“A 2 de setembro de 1796, o ouvidor José Pinto Ribeiro e o juiz comissário da Aldeia dos Guarulhos com o escrivão, curador dos índios, piloto e seu ajudante demarcaram o reduto da igreja perante o padre João Luiz Villoso, que era vigário de Guarulhos. A matriz de Guarulhos já muito deteriorada, desabou, mas foi reformada à custa do Barão de Muriaé e ficou pronta em 3 de fevereiro de 1852. Três anos depois, em 12 de fevereiro de 1855 pelas 5 horas da tarde, seguiu pelo rio Paraíba em uma canoa toda embandeirada, a pedra fundamental da nova matriz de Guarulhos. O vigário, que era o cônego J. J. da Silva P. Baptista, auxiliado pelos cônegos Britto e Marianno e pelos padres Pereira, Guedes e Antunes, acompanhou a pedra até a cruz; aí salmodiaram e espargiram água benta. Na pedra fundamental foi colocada uma caixinha de metal com a inscrição do ato, e algumas moedas com a efígie de D. Pedro II. A nova igreja de Guarulhos foi edificada em um terreno de 50 braças de testada e 100 de fundos, terreno que foi comprado pelo finado Barão de Muriaé a seu genro José Ribeiro de Castro, e generosamente cedido para essa obra pia. Por morte do Barão de Muriaé, que teve lugar a 12 de junho de 1854, a baronesa e seus filhos prometeram concorrer cada um anualmente, com a quantia de 500$000 ou 4 contos anuais, em auxílio da obra da Matriz, durante 4 anos. Em outubro de 1855, o vice-presidente da província do Rio de Janeiro, por conta do cofre provincial, concedeu para as mesmas obras a quantia de 1:500$000.
Em 25 de outubro de 1860, tomou posse de vigário colado da freguesia, na matriz de Santo Antônio dos Guarulhos o padre Joaquim José Pacheco Guimarães. Em 6 de setembro de 1874 benzeu-se a igreja, e no dia seguinte trasladaram para ela as imagens que estavam na velha matriz”.
Ainda em seu depoimento, Silvia Paes conta o porquê da igreja ter sido construída por escravos,
“Olha só, o momento era de escravidão, é claro que não só apenas negros, mas também porque uma forma dos proprietários, dos grandes proprietários de terra escrava colaborarem com as coisas públicas era cedendo a mão de obra de seus escravos, mas entre eles sem dúvida que deveria ter havido brancos pobres, que tinham também mestiços, dos índios goitacás, descendentes dos índios goitacá, ainda na construção da igreja, mas nós não temos, eu não posso afirmar isso a você, quanto era de cada um porque não existe documento sobre isso”.

3.14 - A cultura afro e sua relação com Santo Antônio
Até aqui, a pesquisa seguiu uma linha com a visão católica, mas com a aculturação dos negros na África relatados acima, a sua chegada ao Brasil como escravo, e a tentativa de manter e resgatar na memória traços de sua própria cultura, o homem negro passa a conviver com as duas culturas, a sua e a dos portugueses, criando formas e expressões para mostrar que também estava inserido no contexto cultural brasileiro e católico.
Vale destacar aqui também o artigo “O Folclore no Brasil”, escrito por Renato Almeida e publicado na Revista Brasileira de Folclore, ano VIII, n. 21, maio/agosto, 1968, páginas 105-106, 108-111, 115, e 158-159, cujos trechos demonstram com clareza de detalhes a cultura negra e a sua entrada no cenário brasileiro.
“(...) O negro se integrou no folclore brasileiro pelos folk-ways que carreou e pela adaptação com outros povos formadores da nacionalidade. Não foi uma contribuição tranqüila nem ordenada, como em certos aspectos a portuguesa, mas intensa e confusa, na qual, dada sobretudo a sua condição de escravo, teria de cingir-se às variáveis condições do meio, onde era o elemento servil. Roger Bastide concluiu que (...) a mentalidade africana atuou igualmente por determinações religiosas, artísticas, psicológicas e ao acaso de circunstâncias indefiníveis. Assim, o folclore não era artificial, artificiais seriam as conjunturas da sociedade nascente, decidindo uma cultura popular adequada às possibilidades do meio, porém expressando o modo de pensar, sentir e agir já não só dos africanos, mas de quantos se encontravam na terra nova e miscigenavam sangues e aculturavam usos e costumes. As contribuições africanas foram numerosas, variadas e diferentes. Os negros provinham de diversas áreas culturais, da área oriental do gado, área do Congo, sub-área da Costa da Guiné e do Sudão oriental e ocidental, para adotar o critério de Herskovits. Traziam culturas próprias que aqui entravam em contacto entre si, pois seus portadores eram canalizados heterogeneamente, embora, por contigências naturais, muitos agrupamentos de uma mesma área tivessem ocorrido, como de sudaneses na Bahia e de bantos em Pernambuco e no Rio.
(...) Em todas as manifestações do nosso folclore, quer na cultura espiritual quer na material, a presença do negro é constante e, com a sua facilidade extrema de adaptar, apropriou-se de um sem número de fatos e lhes deu o seu estilo, a tal ponto que os tornou coisa sua. Essa reinterpretação não foi apenas decorrência da conjuntura social, mas da maneira com que viam e sentiam as coisas, função portanto da sua mentalidade. E a prova está no fato de serem inumeráveis as demonstrações folclóricas dos negros transpostas do folclore dos brancos e sem conta os empréstimos tomados aos índios.
(...) É preciso não confundir o que é originalmente africano com o que foi trazido pelos africanos. Que será originalmente português do imenso patrimônio que nos deram os lusitanos? O folclore é universal, com ser regional. Portanto, é necessário um grande cuidado nesse sentido. Muita coisa do que nos trouxeram os africanos não nasceu na África, mas foi transmitida por eles. Como muito do que nos veio com os portugueses não lhes pertencia, eles foram apenas portadores. Jorge Dias disse com acerto que Portugal não é a fonte mas o grande caminho do folclore brasileiro. (...) Esse ciclo do Pai João, que contém por igual muita sátira contra os pretos, muitas delas vindas dos mulatos – a eterna luta de filhos contra pais – incorporou elementos de diversas procedências, pois é um ciclo brasileiro e não africano, e necessitaria de uma coleta e um largo estudo, para esclarecer o folclore negro no Brasil, que não se pode limitar à investigação complicada de origens, nem às influências, mas deve considerar sua vivência nacional. É voz corrente que foi pequena a contribuição africana nos nossos mitos, reduzindo-se ao Quibungo e à influência em mitos ameríndios e europeus. Creio que o assunto merece ser revisto, porque muitas figuras dos cultos africanos são mitos e como tal funcionam. Outros se mesclaram, uns guardando a forma africana, como Iemanjá, que se incorporou à sereia européia e às mães d´água indígenas, outros foram reinterpretados, por função ou forma, como iyabá Ossãe com a Caipora, pelo destino protetor de árvores, e o Zumbi, que figura também como um saci negro e outras vezes se aproxima do Caipora, pelas suas artes.
(...) Mas é reconhecível a influência negra nos talismãs, nos fetiches, nas coisas feitas, incorporadas aos seus cultos, os ebós e os despachos, os símbolos e as mandingas, em suma as mil formas de propiciar o bem, produzir o mal sobre inimigos, desafetos e rivais e defender-se dele, quando nos vise. A magia negra, quer na forma imitativa quer na simpática, é um capítulo muito versado para dispensar maiores considerações. Sua penetração foi muito intensa. A figa, por exemplo, quer o gesto, quer o talismã de sentido fálico, não é negra de origem, mas se tornou este sobretudo um elemento infrangivelmente ligado aos costumes dos negros do Brasil.
(...) se somente depois de 300 anos de incessante e desmedido desembarque em portos e praias, de mais de dois milhões de escravos.
Indiscutivelmente os redutos mais fortes da música negra são os candomblés, as macumbas e ainda alguns maracatus pernambucanos e certos batuques, sambas de roda e jongos de fundo de sertão.
(...) Não podiam por isso, criar nem pintura nem escultura populares, foram hábeis artesãos, em particular abridores marceneiros, ourives, santeiros, além do que deixaram em formas folclóricas de escultura, ex-votos, implementos de folguedos, instrumentos musicais, etc.
(...) Não possuindo lugar próprio para o culto – a cargo de pessoa preparada para tal fim, denominada quimbanda ou quimbandeiro, ou simplesmente feiticeiro, em geral um negro velho que trazia ao pescoço amuletos, figas de guiné, patuás e rosário – nem permissão para faze-lo, os escravos se internavam nos matos e capoeiras cumprindo ocultamente sua liturgia, que se ligava aos ritos funerários, à medicina mágica e à feitiçaria. De tudo isso resultaram dois tipos muito encontradiços: o curandeiro e o feiticeiro. Muitas vezes foram os feiticeiros surpreendidos naquela misturança de beberagens, pólvora, figas, bonecas, ossos, cabelos, enxofre, terra, fogo, e então declaravam ser inócua aquela magia, ou, quando muito benéfica, consistindo em mezinhas para curar os companheiros ou permitir ao homem poderes sobre animais. Grande nossa coleta de casos em que, por meio desses poderes, os negros adquiriam o dom da ubiqüidade, dominavam cobras e bichos peçonhentos e também seres humanos, matavam passarinhos com um simples olhar, as cobras deslizavam humilhadas sobre o chão, nenhuma fera lhes seguia os passos. As ervas serviam para defumação (como atualmente), para enfraquecer ou matar inimigos ou torna-los loucos, o que seria possível pelo terror que infundiam as feitiçarias e propriedades tóxicas das plantas. Era a magia de caldeira fumegante, de vapores com cheiros que estonteavam. Era a arte trazida da África, mistura de folguedos, magia, adivinhação do grupo tribal para descobrir as causas das doenças, encontrar objetos e animais perdidos, conseguir boas caçadas, lavouras rendosas, dominar os elementos e outras muitas coisas. Capatazes, amos, sinhazinhas foram por esses meios fatalmente alcançados.
(...) nenhuma síntese poderia ser mais perfeita que o depoimento com que me honrou o emérito historiador Prof. Agostinho Ramos, nascido em Bananal (SP), no século passado e residente em Cachoeira Paulista (SP, que passo a transcrever:
“Antigamente, quase não se ouvia falar em macumba. Havia referências à bruxaria, porém, o forte entre os escravos, era a feitiçaria, que também se denominava “coisa feita” a quiamba. Pelo rincão, ninguém conhecia Exu, Ogum, Orixás, Iemanjá, Babalaôs e quejandas. Lá valiam: o coisa-ruim, o pe de pato, o tinhoso, o pererê, o caapora, o capeta. O caipira que entrasse em roda de negro era chamado mucurungo (mocorongo).
A feitiçaria, que hoje tem o nome de “despacho” e entre os negros chamava-se “trabaio” (trabalho) era praticada de preferência na 6ª feira da Paixão e no dia de São João, `noite, debaixo de uma figueira. O material usado por lá: a cachaça e a pólvora, denominadas (tanto quanto me ajuda a memória) fumbanda e pemba, e, a seguir, pele de sapo, osso de anjinho, unha de gavião, guiné, fumo pixuá e macaio, e mais: pica-pau chanchã e cobra cora (coral). Por vezes, em homenagem a sinhazinha, a cobra recebia o nome de Dondoca.
Usava-se também um rosário de coquinho seco, de jerivá, para durante o ritual curar o crioulinho atuado pelo pererê. Um tripé, lenha, fogo, e, num caco (pedaço de panela) colocavam-se os “aperparo”. A cachaça era ingerida aos golpes (goles) seguidos. O pretinho salta sobre a fogueira sem parar. O preto velho comanda o ritual. Todos se movimentam em forma de jongo: “Andorinha cantô no cangerá...” Há trejeitos, gestos de súplica. Ao redor do fogo, um filete de pólvora. Ateia-se a chama – uma pequena esplosão – e o “trabaio” está feito (não se sabe em que sentido). Certo é que, após alguns dias, numa encruzilhada, ou no terreiro da pessoa visada, aparecia galinha preta morta, e, às vezes, depenada”.
Em seu livro “Muata Calombo consciência e destruição – O olhar da imprensa sobre a cultura popular da região açucareira de Campos dos Goytacazes”, o professor e Mestre da Faculdade de Filosofia de Campos, Orávio de Campos Soares, conta entre as páginas 64 e 69, um pouco dessa cultura que hoje já faz parte do folclore regional e nacional.
(...) Quando se comenta as transformações sócioculturais ocorridas em decorrência do esvaziamento da zona rural, citando, de per si, cada elemento que configura o seu conjunto de interesses, chega-se ao pensamento de LÉVY, (Pierre), quando ele afirma que:
“uma cultura manifesta seu sistema de correspondência original ao articular uma infinidade de sistemas de correspondências especializadas: a língua, provavelmente o mais importante deles, mas também a religião, as artes, as instituições, as regras de parentesco, a troca econômica, os mitos, as ciências, as técnicas, e, assim, por diante. Todos esses sistemas estão em relação de similitude, de oposição e de complementaridade no seio de um vasto metasistema de correspondência, tão convencional quanto os sistemas especializados que ele articula”.
Os mais velhos, nascidos e criados nas roças, instalados nas periferias das cidades, ainda resistentes às inovações da vida moderna, continuam rezando, embora raramente, com três galhos de alfazema ou de arruda, os quebrantos produzidos pelos maus olhados; ou costurando os nervos torcidos com suas agulhas virgens traçando linha branca no naco de algodão. Também (ainda) curam espinhela caída e eliminam as doenças da espinha dos recém-nascidos, bem como as impinges, erisipelas, verrugas e outros males humanos. Muitos ainda recorrem aos chás de pico-preto para hepatites; arnica para pancadas doloridas, losna e boldo para o fígado, nogueira para purificação do sangue, cidreira para males do estômago e como calmante, garrafadas para vencer a impotência, e infusão de quebra-pedra destinada a curar doenças renais...
Os meios fitoterápicos talvez sejam, via reconhecimento da ciência, a forma preservadora recolhida dos antigos. Provavelmente será a única a se integrar à alopatia quimioterápica dos remédios miraculosos. Contra os quebrantos e maus olhados ficará a reza emoldurada no passado:
“(...) Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (amém). Deus me abençoe com a Sua Santa Cruz (amém). Deus me abençoe com seu sangue (Amém). Deus me dê a sua proteção (Amém). Leve consigo o que consigo trouxeste. Deus me defenda do mau olhado, da má influência, de todo mal que me quiseres. És o ferro, eu sou o aço. És a treva, eu sou a luz. És o diabo, eu sou a filha de Deus. Deus me guie, amém
12”.
Ou, ainda, a certeza de que mesmo com os avanços tecnológicos do terceiro milênio há a comprovação dos efeitos positivos das orações:
“(...) Senhor Jesus Cristo ajuda-me onde ponho a mão: Cristo vivit reguat et imperat per omnia secularum, amém. Pelo poder de Nosso Senhor Jesus Cristo este quebranto vai sair pela cabeça, pelos lados, pelas costas, por cima, por baixo, por trás, pela frente. Assim como digo com fé em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, assim se fará. Este quebranto vai sair pela frente, por trás, por cima, por baixo, amém (...)”
13.
Todas as tradições culturais, na medida em que a distância do tempo aumenta vão se afastando e se perdendo nos desvãos da história. Os grupos afro-umbandistas – atuando nas chamadas tendas espíritas – que eram muitos nos anos 60, estão, lentamente, desaparecendo das noites das planícies. O mesmo acontece com relação ao africaníssimo candomblé. Com o deslocamento da população negra das zonas açucareiras para as franjas da cidade, o afro-umbandismo perdeu muito de seu significado. A umbanda, como uma manifestação mais brasileira, surgida em Niterói em 1946, mantém, com sacrifícios, a representação dos orixás nas áreas urbanas, desempenhando o seu papel sócio-religioso. Mas o quadro hoje é um pouco diferente, principalmente depois do advento da televisão.
O presidente da Federação Espírita de Umbanda de Campos, José Geraldo de Carvalho Alves, concorda que no início do século XX o número de aficionados das religiões africanas era muito maior. Se si levar em consideração que, por ocasião da abolição da escravatura o país tinha 1.346.648 negros e que na Província do Rio o número chegava a 268.831, calcula-se que o município de Campos dos Goytacazes, o maior núcleo do escravismo nacional, tivesse cerca de 50 mil espalhados por sítios, fazendas e nas senzalas dos solares da cidade
14.
Acontece que no capítulo da religião, (SOUZA, 1935: 197-221), a estatística concentrou os católicos, em 1889, com 103 mil aficionados e 3 mil católicos, incluindo entre eles presbiterianos, luteranos, batistas, confucionismo, israelismo (ou judaísmo), maometano, maçonaria, adventista, espiritismo kardecista e ateísmo” (sic). Quanto à religião dos ex-escravos constou como fetichismo com zero na estatística, tudo levando a crer que foram incluídos como católicos, por não poderem expressar, apesar da abolição, a forma de pensar suas relações com os deuses e orixás. O autor declara, enfaticamente, alargando, ainda mais, a falsidade dos números dos ex-escravos:
“(...) Zona grandemente agrícola, Campos, conforme Minas Gerais, foi o lugar que mais recebeu o elemento africano escravizado. Com o vir dos negros da Angola e Benguela, vieram também com eles as práticas da magia negra, dos filtros, dos encantamentos. Por isso os casos de feitiçaria generalizaram-se, não só nas senzalas mas também na cidade, de sorte que, senhores, feitores, sinhás-moças e parceiros que quisessem ficar imunes dos malefícios da arte mágica da gente de cham
15 (sic) tinham de, pela mesma arte, mandar fechar o corpo (...).”
Em sua narrativa, na qual se posiciona, criticamente, mostrando ser um católico convicto e praticante, afirma que “os casos de encantamento ou enfeitiçamento abundaram nas épocas passadas”, citando os candomblés
16 com que tomados por foros de ciência, rótulos de caridade, possivelmente em razão de ter sido incorporado por pessoas das classes mais economicamente postadas na sociedade. E coloca sua opinião:
“(...) Se a maior parte dos professantes da religião de cham não passam de embusteiros e espertalhões, que sabem com segurança que a humanidade, em boa parte, é de uma ingenuidade e crendice ilimitadas, - alguns profissionais das ervas e evocações sibilinas foram terríveis propagadores do mal e do bem (...)”.
Depois narra, com precisão, e até certo temor, um fato acontecido numa fazenda das margens do rio Muriaé, onde o médico José Herédia de Sá foi visitar um doente que, há dias, estava sofrendo terrivelmente:
“(...) Era uma mucama de estimação da fazendeira, que sofria de horríveis dores na cabeça, e isso, desde que, uma sua invejosa parceira, ofereceu-lhe para penteá-la. O médico examinou a doente, aplicou toda sorte de medicamentos, mas tudo em vão... a cefaléia da pretinha a nada cedia. Depois de determinar um diagnóstico, o clínico disse à fazendeira que a medicina legal não resolveria o mal, portanto chamasse para tratar da doente um médico d’Angola... Buscaram então a um cabinda
17 daquelas bandas; e o velho africano, em chegando, fez seus gestos cabalísticos sobre a enferma, mandou que lhe dessem alimento, o que foi feito, e com espanto da família verificou que a doente conservara o alimento no estômago (o que não acontecia desde muito) e cessaram os delírios e a cefaléia da pobre criatura (...)”.
Um outro caso é contado, projetando no futuro o desaparecimento das tradições curativas dos descendentes de escravos.
“(...) Pelos lados da Tapera há uns trinta anos passados (sic), era de fama portada aquela redondeza e até pela cidade, um tal João Mina, que operava bruxaria de fazer arrepiar os cabelos... até as cobras atendiam a seu assobio encantado... Felizmente, essa arte ou devoção diabólica vai desaparecendo com o desaparecimento dos velhos africanos”.
O presidente da Federação, entidade fundada em 25 de julho de 1954, salienta que estão afiliadas 300 tendas espíritas e devem existir outras 100 que atuam isoladamente e que, embora não tenha um cálculo exato, o número de umbandistas é de cerca de 4 mil, para uma população de mais de 400 mil habitantes. Ele se refere à queda dos aficionados da umbanda como uma decorrência da evolução da sociedade como um todo:
“Com o deslocamento dos negros das áreas de plantio, as manifestações ocorrem nos bairros mais afastados. Só que hoje estamos concorrendo com a modernidade da televisão e com as chamadas igrejas eletrônicas. A Igreja Universal do Reino de Deus faz uma cópia mal feita de nossa ritualidade e, com hipocrisia, nega a reencarnação, a comunicação dos espíritos e ainda fala que somos os herdeiros do diabo”.
Por outro lado ele culpa a mídia por este estado de coisas. “A igreja eletrônica, católica ou protestante, sataniza o umbandismo e não dá nenhuma chance de resposta, o que é inconstitucional. Contraria as normas de liberdade religiosa no Brasil. Como somos uma religião de pessoas pobres não podemos comprar horários na televisão para falar de nossa fé. A mídia, por ocasião das festas de passagem do ano, faz cobertura das louvações à Iemanjá, fatura sobre nossa religiosidade, inclusive com a produção de novelas
18 e, depois, somos colocados mais um ano no esquecimento”.
E como a umbanda e outras manifestações afro-brasileiras vão resistir às mudanças que ocorrem à luz da pós-modernidade? O líder religioso diz que
“isso não vai acabar nunca. Pode diminuir como vem diminuindo. A questão religiosa não é uma coisa de fora para dentro. Ela corre nas veias com o sangue. É atavismo e está ligada, por isso, à nossa ancestralidade. Nesse sentido a fé jamais será vencida pelo poder econômico que permeia a mídia”.
Não há dúvida, portanto, que os atrativos da deusa colorida são muito mais importantes, enquanto forma comunicacional, do que a ligação do homem com seus mitos e ancestralidade. Na periferia, onde está cada vez mais rara a presença do batuque nas noites de heresia, não tem mais conjuntos jongueiros e a dança da Mana Chica adormece nos escaninhos da memória de alguns pesquisadores.


3.15 - As simpatias e crendices funcionam?
Mesmo tendo fé e crença em Santo Antônio, o ser humano é capaz de fazer qualquer coisa para conseguir o seu objetivo. Nesse vale-tudo, ele não se importa em procurar ajuda externa à sua religiosidade, como na umbanda, no candomblé, e também com as videntes, que jogam cartas e lêem o futuro nas combinações do baralho jogadas e postas sobre a mesa.
Mas até que ponto as crendices e as simpatias funcionam? Uma coisa é certa, não há quem não tenha feito uma simpatia e um pedido a Santo Antônio, seja para encontrar um marido, conseguir um emprego, ou mesmo para encontrar objetos. Ao conversar com diversas pessoas a respeito de Santo Antônio, esse pesquisador se depara com a diversidade de fatos e curiosidades encontradas. Entre essas curiosidades descobri a diversidade de simpatias para arranjar marido, e cada qual, conta a sua receita, que acredita funcionar com ótimos resultados.

3.15.1 – As Rezadeiras
Em virtude das dificuldades em encontrar uma rezadeira, ou mãe-de-santo, nas proximidades da Igreja de Santo Antônio fui até a localidade de Mineiros, distante 24 quilômetros do centro de Campos dos Goytacazes com o propósito de ouvir Maria Jocélia de Souza, de 70 anos, conhecida como “Maria Rezadeira”.
Esse pesquisador a procurou porque dois anos antes, ao fazer parte do Núcleo de Iniciação a Pesquisa Científica, pela Faculdade de Filosofia de Campos, cujos fatos pesquisados embasaram o trabalho “As Reminiscências culturais dos aceiros de canas da Baixada Campista”, do professor e mestre Orávio de Campos Soares, encontramos na Baixada Campista, nada mais do que três rezadeiras, Irene Gama, na localidade de Saturnino Braga, e Tereza Silva Santos, na localidade de Xexé, Farol de São Tomé.
Em seu depoimento, Terezinha, como gosta de ser chamada por todos que a procuram declarou,

“Fazem fila aqui em casa para conversar comigo. Se Deus me deu de graça tenho que ajudar aqueles que precisam. Comecei a me dedicar a isso quando minha filha tinha seis anos, ela sumia de dentro de casa, ficava perturbada. Levei em tudo quanto foi médico e nada deu jeito, até que uma entidade conversou comigo e me pediu ajuda, em troca curou minha filha. Hoje, ela é feliz e tem uma vida normal como todo mundo”.

Ela ainda informou que perdeu a conta de quantas pessoas já ajudou, mas lembra bem do caso de um menino, de seis anos, que apresentava anemia profunda e estava totalmente desenganado pelos médicos, até que seus pais procuraram a rezadeira. Após muitas orações e de beber algumas ervas, o menino melhorou, necessitando apenas de uma transfusão de sangue para melhorar por completo.
Já na localidade de Saturnino Braga, os pesquisadores encontraram Irene Gama, 71 anos, que apesar da idade demonstrava uma disposição muito grande. Em seu relato, ela contou que aprendeu a rezar com seu avô, Antônio Simão, famoso rezador daquele lugar até o final do século passado. Ela informou ainda, que todos os dias dezenas de pessoas a procuram para conseguir alívio para as doenças do corpo e da alma. Diferente das outras rezadeiras, Irene Gama, utilizar uma tesoura e explica,

“O aço da tesoura faz com que o mau olhado não volte para mim. Eu curo qualquer doença, mau olhado, alergia e tudo que faz mal para o coração”.

No momento em que o grupo chegava a sua casa, uma pessoa com um problema, surge e ela interrompe a entrevista para auxiliar o enfermo que chega. Apesar das palavras balbuciadas, consegue-se ouvir uma oração a Santa Bárbara,

“Santa Bárbara se vestiu, Santa Bárbara descansou. Nosso senhor perguntou: aonde vai Bárbara? Vou para o monte, Senhor. Levaste a maldade, o mal de inveja, mal de feitiçaria para os montes sagrados. Para ver o galo cantar. Salve Rainha cravo divino, rosa de amor Nosso Senhor. Se tiver dormindo acordai, acordada ela está vendo esta cruz. Eu rezo essa oração para que no final aprende quem souber, não ensinai. No dia do juízo um grande castigo terá. Obrigado meu pai por mais um dia”.

Enquanto ela rezava, outra pessoa surge, dessa vez com “mau olhado”, com muita fé e devoção, foi possível anotar mais uma oração:

“Filho, sua cama tem quatro cantos, cada canto um santo, cada canto da sua cama tem o Espírito Santo. Sua cama tem quatro cantos, cada canto tem um santo, no meio da cama tem um letreiro com Divino Espírito Santo. Sua cama tem quatro cantos, quatro anjos te acompanham: meu São Roque, São Matheus, Virgem Maria e meu Senhor Jesus”.

Diante desses fatos não me restou outra alternativa em procurar Maria Jocélia de Souza, conhecida na localidade de Mineiros, e nas redondezas. No dia 12 de fevereiro desse ano, retornei a localidade para ouvir o seu depoimento e principalmente para saber como ela aprendeu a rezar, e ela conta que,

Não, aprendi com ninguém, aprendi comigo mesmo. Com a minha natureza, fui na casa da chefe só pra ela, só dar uma, assim uma coisa na minha vida né, porque se eu vivia sofrendo, que dizia que meu problema, sofrimento todo era esse. Aí eu fui só pra ela, aí ela depois disse: “você pode seguir sua vida”.

Indagada sobre a existência de filhos que pudessem aprender o seu ofício, ela disse que,
(...) tinha um que trabalhava comigo, esse é um que é pastor, trabalhava comigo até depois dos colégios, que é de outra religião, aí deu na cabeça e seguiu, seguiu e deu certo, segue cada um a sua vida. Tem um que mora em Guarus, também, que também exerce na Igreja Universal.

Trabalhando em seu terreiro, nos fundos de sua casa há 28 anos, Maria Jocélia de Souza, explica que ela pertence a linha umbandista e define a sua diferença com o candomblé da seguinte maneira,

A minha é umbanda, meu filho. Eu não gosto de candomblé, não. Não gosto de candomblé, porque candomblé é só pra maldar, né? Porque você não sabe, só trabalha com matança de bicho, é carneiro, é bode preto, é tudo né? E essa linha, não que é muito maldosa, não sigo essa linha. E eu gosto de trabalhar na minha linha de umbanda, que a linha de umbanda é uma linha bonita, é descarregar, limpar as pessoas, de tirar tudo quanto, né... A gente vai limpando as pessoas, pras pessoas caminhar, que a gente precisa, gosto de fazer o bem, quer dizer que a minha linha é umbanda, entendeu?

Após fazer suas orações, ela acaba incorporando o espírito de um preto velho, e através da música livra todas as pessoas que a procuram dos diversos males que a vida proporciona. Como foi o caso de Maria Deilei Fernandes, carioca e residindo atualmente em Baixa Grande, próximo da localidade de Mineiros, que confessou ter perdido muitas coisas na vida.
Dois anos antes (19/jul/2003), Maria Rezadeira, ao receber os componentes do NIPEC
19 em uma pesquisa que estava sendo realizada pela Baixada Campista, rezou cada um dos componentes. Em forma de rezas e cantigas ela pediu proteção para cada um dos pesquisadores cujas letras seguem abaixo,


Salva Deus, Salva Cruz, Salva Luz, Salva as Estrela,
Salve meu bom Jesus de Nazaré, salva todos filho de Deus
Quem manda no mundo é Deus, ...Força de Deus que é Força de Oxalá,
Quem manda o Espírito de Deus, em cima dessa terra fria
Ó Virgem Maria Imaculada, ou Virgem Maria Conceição
Firma seus filhos em cima do frio chão
quem faz mal palavra Santa do meu Divino Espírito Santo
Pedindo Oxalá do Céu, pedindo Nossa Senhora,
pedindo a Virgem Nazaré,
que acima tudo me ouvisse em cima dessa terra fria
não deixava na friagem, pelo barulho do mar
pelo ... em cima dessa terra, Ju... n. tira do caminho.

Pelo Seu Aruê, seu aruá
A folha do coqueiro, aruê, ê
A folha do coqueiro, aruá, ah
Seu Aruê, seu Aruá
Sê meu cabroco, não arriá,
eu vô buscá, eu vô buscá
As folha do coqueiro, aruê, ê
As folha do coqueiro, aruá, ah
As folha do coqueiro, aruê, ê
Seu Aruê, seu Aruá
Se meus cabroco, não riá,
eu vô buscá, eu vô buscá
As folha do coqueiro, aruê, ê
As folha do coqueiro, aruá, ah
Seu Aruê, seu Aruá
Se meus cabroco, não riá,
eu vô buscá, eu vô buscá
As folha do coqueiro, aruê, ê
As folha do coqueiro, aruá, ah
As folha do coqueiro, aruê, ê
As folha do coqueiro, aruá, ah
Seu Aruê, seu Aruá
Se meus cabroco, não riá,
eu vô buscá, eu vô buscá

Salve Força Divina, e Salve Oxalá, Salva todos Mensageiros e Salva Luz Divina, através dos caminhos e ajudai todos filhos que precisam da ajuda daquele Pai de Misericórdia e Salvação.
Quem manda no mundo é Deus, outro não pode mandar.
A Força de Deus só acima ... Sabe o que é bom, pra companhia dos meus filhos em cima dessa terra fria. Qué isquentá criança? ...
Esse não... poderoso, isso, como é seu nome? ...
Virgem Maria Imaculada, Virgem Maria da Conceição
Queima teus filhos em cima dessa terra fria
Com a Força do meu Divino Espírito Santo
pedindo as estrela do céu, que tudo...vai ajudar você
Minha filha do sufoco, que venha seus ossos...... bota fora, ...
quem manda no mundo é Deus, outro não pode mandar,
a espada de São Jorge bota sobre a mão dessa minha filha
pedindo misericórdia e pedindo a salvação.
Pai aquelas alturas queima seus filhos acima seu Anjo da Guarda tanto noite como dia com a força do meu Divino Espírito Santo
E quem manda nesse mundo é Deus, outro não pode mandar.
A Força de Deus, olha pra minha filha, acima na terra fria
Meu bom Jesus de Nazaré, firma teus filhos com a Força de Deus
e a Força de todo Mensageiro,
todo mascate, todo olho, braço tiver no corpo, tiver nos ossos, tiver no ...
tiver no sangue isso tudo fazendo aqui de mais-sagrado...
com sinal da Santa Cruz, pruma luz pra me alumiar, pra me salvar, ... não é minha filha? ...
Força divina vai levar toda ferida...
Nossa Senhora da Penha, nós estamos aqui, em cima seus filho,
com o Poder de Deus e de São Jorge. ...
Uma luz pra iluminar Jesus, pra salvar quem queima. Cê qué minha santa?
Esse nome de Deus todo poderoso, em nome da Virgem Maria,
em nome de Jesus, em nome de Na...el,

Ouvi, ouvi, ouvi
Virgem Santa Mãe de Deus
Ouvi, ouvi, ouvi
Virgem Santa Mãe de Deus, Senhora de Nazaré
queimá minha filha na terra fria
Ouvi, ouvi, ouvi
Virgem Santa Mãe de Deus
Ô Virgem da Conceição
Senhora de Nazaré
rimá miós ca fia
com a quimá
com Anjo da Guarda
em cima da terra fria
Mas é com Deus e a Virgem Maria
Quem manda nesse mundo é Deus e a Virgem
otro num pode mandá
Quem manda nesse mundo é Deus e a Virgem
otro num pode mandá
Dentro de pelo amor de Deus
vão salvá sua filha, meu Deus
nesse dia, nessa hora
meu São Pedro, meu São Paulo
meu São Cosme Damião
queimá seus filho frio chão
numa corrente tão fugida
rompe queno meu Divino
meu Divino Espírito Santo
Filho da Virgem Maria
Em nome bendito Divino
Chegue ná bendita hora
vamo fazê numa oração
nóis vão pedi Salvação!

Nossa Senhora, aqui na minha filha
Cadê (ou Aqui) seu Anjo da Guarda
Deus é Luz D... em na ...ente de Deus e a ... ouvi
Força Divina, Força Poderosa, óia pa minha fia de mel
num deixava má tirá, Reforçá Anjo da Guarda e todos ó
do corpo, dos óssos, nómeu quá é
Deus abençoa ... Nossa Senhora olha pros meus filhos
e a Virgem Maria um meio ta seu Filho e as outra de todos nós, temos gosto ... teus ossos, vamos virá!
Passa aqui minha filha aqui, aqui criança, aqui ...
Mash ucamos o rosto (fogo) Lavamos as mãos e mais V...
Quem manda no mundo é Deus, outro não pode mandar
A Força de Deus possa re..., minha filha...
que ... tanto deixa ocê, Santa Bernadete mash... não
Força de Deus, Este criança ...
qué rezá minha fia? tão vem ...,
Esse nome D...
esse..., ...nome. Tá com medo di eu criança?
Ficá cum medo di eu não, o cabo qui pegá
uma coisa é outra, né criança?
Nossa Senhora da Penha, Senhora de Ponta Gulho
Firma minha filha em cima dessa terra fria
Santa de ... com a força ...

Mãe Sereia é a Mãe Manjá
Firmá minha filha
em cima da terra fria
Mãe Sereia é a Mãe Manjá
Iansã iá i ajudar
Nas horá deu trabaiá
Mãe Sereia é a Mãe Manjá
Iansã vem ajudar
A firmá minhoscafia
Nas horá deu trabalhá
Diante Deusa, é Deus quem dá
meu Santo Cristo tu arreia os otro
vem o valê minhoscafia
vem confortá o Anjo da Guarda
em cimá da terra fria
nóis vão pedi, misericórdia
nóis vão pedindo a Estrela da Guia,,
quero iluminá vossos caminhos
com a firmá na terra fria
Deus há, lançou do mal,
êô temor da terra
Valha-me Menino Deus,
Filho da Virgem Maria
Abençoa o teu filho
com o Poder da Santa Cruz
Quem manda nesse mundo é Deus
outro não pode mandar
Mãe Sereia, Iansã
nos ajuda na terra fria
qué pra ajudá minha filha de Deus
numa corrente mais tão c...ida
Quem manda no mundo é Deus, é Deuso
outro não pode mandar
Quem manda no mundo é Deus, é Deuso
outro não pode mandar
Vou pedindo pela mão de Deus
Minha filha ocêm salvai
com o Poder da Santa Cruz
pelo balanço do mar
pelo Senhor da Terra
Valha-mim Mamãe Teia
Man va linha Mãe Manjá
Venha ver filha de Deus
Em cima da terra fria
Tanto noite, como dia

Graças a Deus, to..., Nossa Senhora...
Força Divina...em cima da terra fria ...çoai ...
Pelo Senhor da Terra, Reforçai teus filho
Com os Poder de Deus e Poder da Santa Cruz
Quem manda nesse mundo é Deus, outro não pode mandar
A Força de Deus, óia pra todos meus filhos, firma na terra fria
Pelo balanço do mar, Pelo Senhor da Terra, Ajuda quem precisa
... fria, Força Divina, Força Poderosa,
Óia pra minha filha, meu Deus, Em nome de Jesus, em nome de Nazaré
Firma minha filha de Deus, ... Pronto criança! ... cabeludo
meu Pai Misericordioso, ajuda toda minha filha, Firma na terra fria
Qué vim rezá, criança? ...rezá criança?

Nome de Deus todo Poderoso
nossos filhos, Poder de Deus e da Virgem Maria ...
Como é teu nome, criança? ...
Pai daquelas Alturas, Firma esse filho em cima dessa terra friaTanto de noite, como de dia
Com a força de Oxalá, Força de todos Mensageiros
Ajuda quem precisa, em cima dessa terra fria, tanto noite, como dia
com a força do Rosário de Maria, vão salvá teus filhos
Vão pedi Nossa Senhora, Vão pedi ajuda Daquele Pai
Ajuda esse filho, em cima dessa terra fria
Pela Força de Deus, Força de Todos Mensageiros ...
Meu filho, Deus Todo Poderoso, ...
Meu Pai de Misericórdia, Meu Pai se quéla essa cura
Minha... nessa terra... ... com a força de Oxalá
com toda essa lancha, ajuda seus filhos, afirma da terra fria
tanto de noite como de dia
Que Deus tem Força, Deus ...
Pra ajudar(afirmar) seus filhos, toda essa lancha, sobre todos lugar
Ajuda meus filhos encaminhar todos Orixás
Ajuda meus filhos em cima dessa terra fria
Que Deus é Pai, não é Padrasto, Deus é o Sumo da Verdade
Que Deus é claridade
Olha para meus filhos de Deus, Afirma na terra fria
Que tirais todos os ... que tiver no seu corpo
Que tiver nos seus ossos, tiver nos seus nervos
E na sua ...
Oh meu bom...
Meu São Pedro e meu São Paulo,
Firma meus filhos, em cima dessa terra fria,
Tanto de noite como de dia
Defendendo de todo mal, defendendo de todo...
e deixar o que é bom pra companhia dos meus filhos
Jesus abençoa meus filhos, Jesus afirma em cima dessa terra fria,
tanto de noite como de dia,
Meu Pai de Misericórdia,
Ajuda seus filhos encaminhar, Ajuda meus filhos vencer em cima ....
nem sobre a terra... Sabe criança também ... Tá criança!
Vendo tá quebrando ...
Se qué também meu filho?
Em nome dos meus filhos... nome da criança ...
Pai daquelas alturas, num ... tomá essa terra qui não, é?
Deus sabe criança, que mata ... não é tomá claro ...
Quem não né? É outro.
Tem tomá, como pode
Tão São Marcos pode, quem ... nessa terra
Quando a terra estremece
Pai de Misericórdia, Firma meus filhos
Que essa Força Divina, que essa Força Poderosa
Que olha pra seus filhos que precisa da ajuda daquele Pai
Eu peço a Nossa Senhora da Guia
Eu peço a Nossa Senhora da Aparecida
Que afirma todos teus filhos em cima do frio chão
e deixa meus filhos caminhar em cima dessa terra fria
Com a Força de Oxalá e a Força de todos Mensageiros
Que quem manda no mundo é Deus, outro não pode mandar,
A Força Divina pra me abrir os caminhos
Ajuda meus filhos, cima dessa terra fria
Santo Antônio pequenininho que abra os caminhos
Santo Antônio ... afirma na terra fria
Pai de Misericórdia ajuda meus filhos...
Nossa Senhora da Penha, Senhora de tanta Luz, mostrá tua Força
que está no Céu com Jesus, e afirma seus filhos
...esses dias...bendita hora
Fazendo a minha oração e pedindo a Salvação
Pra todos filhos, que precisa da ajuda daquele Pai
Nossa Senhora de Caminhar, a Virgem de Nazaré,
é de confortar todos filhos,
em nome de Deus Pai, em nome da Virgem Maria
Salva... Paixão de Cristo, em nome de Deus...
Acima de Jesus Cristo ...Ele ... Pai
Todos falantes, ajuda teus filhos
e minha Nossa Senhora, ajuda seus filhos vencer
... em cima dessa terra fria,
com a Força do meu Divino ... levantar ...
Tá meu Deus
Nome de Deus Todo Poderoso, afirma seus filhos sobreviver
como é nome seu, criança? ...
Pai daquelas alturas
Firma minha filha cima dessa terra...
Minha Nossa Senhora ajuda minha filha (tosse) em cima do frio chão
...bendita hora, manda pa... criança que tá constipada,
que é pra ela panhar ... tirá , bandeira, sabe criança?
Fazê chazinho, com açúcar e tomar, ... causa constipação, tá?
tá criança?
Em nome de Deus Pai, em nome da Virgem Maria
que agrada a Nossa ... Cristo,
ajuda minha filha, afirma seus filhos...
Ajuda minha filha, caminhar em cima dessa terra fria
tanto noite como dia,
com a Força de Deus e a Força de todos Mensageiros
minha Nossa Senhora da Penha, sinal de tanta luz
Em nome de Jesus, em nome de Nazaré
Firma seus filhos em cima dessa terra fria
Minha Nossa Senhora da Penha, Senhora de tanta Luz,
consegue toda Força que tá no se.. Jesus
afirma seus filhos em cima dessa terra fria.


Quem espera da aurea a vossa guia
espera d’aurea vossa guia ...
caminha os meus filhos em cima da terra fria
Pela Salve a vossa guia
Estrela salve a vossa guia
e caminha sem parar
Em clareia ai aonde eu vou morar
Estrela salve a vossa guia
Estrela salve a vossa guia
E clareia o mundo sem parar
em clarena aonde esta morá

Salve a Força Divina, Salve a Força Poderosa
E salva seus filhos com sombra de Deus e da Santa Virgem ...
Meu Jesus seja abençoá
que a benção Jesus quem dá, todos nós ...
dá no corpo, dá no sangue, ...
vão deixá o quebranto companhia minha filha
vão pedindo salvação
quem manda nesse mundo é Deus, outro não pode mandar
que a Força Poderosa vão levar todos seus filhos
em cima dessa terra fria ...
Rezá também meu filho?
Jesus abençoa meu filho, Nossa Senhora
Que ajuda meu filho a ... frio chão
Quem manda nesse mundo é Deus, outro não pode mandar
A Força de Deus, olha pra seus filhos
Aqui na terra fria, tanto de noite como de dia
Pai Xangô das Pedreira
Olha pros meus filhos de Deus
todos calantia aquele de cima de Deus
em cima dessa terra fria, tanto noite como dia
Que minha Nossa Senhora, olha pra seus filhos
E a Virgem Nazaré, firma seus filhos
em cima do frio chão
Pai Xangô das Pedreira, de cima da pedra na pedreira
Rebenta pedra na pedreira, sempre demanda no fundo do mar
Pai Xangô das Pedreira, rebenta pedra na pedreira
Quem manda nesse mundo
Pai Xangô das Pedreira, rebenta pedra na pedreira
Pai Xangô das Pedreira, rebenta quebranto no fundo do mar
Pai de Misericórdia, ajuda teus filhos
Afirma na terra fria, em nome de Jesus, em nome de Nazaré
pedindo ... não interrompe, nem interrompida,
ajuda seus filhos que afaste dos seus braços, ...
deixa o que é bom pra companhia do meu filho
pedindo misericórdia, pedindo Salvação pra todo ...
com a Força do Rádio via, com a Força das Estrela,
com a Força do meu bom Jesus de Nazaré
firma meus filhos de Deus não deixa balanceá
em cima dessa terra fria, tanto noite como dia
Minhas Estrelas do Mar, Pai Xangô das Pedreiras
Em nome de Jesus, ajuda seus filhos ajuda caminhar, todas falantia
ajuda com a Força de Deus, e a Força de São Jorge
e a força de todos Mensageiros

Meu São Jorge Guerreiro
Olha meus filhos na Terra
Meu São Jorge Guerreiro
É um vencedor de Guerra
Meu São Jorge Guerreiro
Olha meus filhos na Terra
Meu São Jorge Guerreiro
É um vencedor de Guerra
Olha tem dendê, ê, ê
Olha tem dendê, ê ê ê
Já de mandedura com São Jorge eu quero ter
Meu São Jorge Guerreiro
Olha teus filhos na Terra
Meu São Jorge Guerreiro
É um vencedor de Guerra
Olha tem dendê, ê, ê
Olha tem dendê, ê ê ê
Já de mandedura com São Jorge vamos vencer, ê

Salva Deus, Salva Filho, Salve a Cruz, Salve a Luz Divina
e Salve Falanxa, Salve a Deus
quem manda nesse mundo é Deus, outro não pode mandar
Força de Deus olha pra todos meus filhos e ajuda quem precisa,
Minha Nossa Senhora da Aparecida
Minha Nossa Senhora da Penha
Firma seus filhos de Deus, em cima dessa terra fria
E deixa meus filhos caminhar, em cima do frio chão
a vencer tudo que é branteio ...
Meu São Sebastião das Pedreira quem vem ajudar
Sabe meu filho? Para vencer, né meu filho?
São Sebastião das Pedreira que vem ajudar todos meus filhos
caminhar ..., Jesus abençoa meus filhos ...

Pai de Misericórdia, Pai daquelas alturas
firma minha filha, em cima dessa terra fria ...
Em nome de Jesus, em nome das três pessoas da Santíssima Trindade
Nome das três pessoas, da boca de filha
firma essa filha, boca linda ... em cima dessa terra fria
com a força da Trindade, com a força das Estrelas
Minha Nossa Senhora da Penha, Senhora de tanta Luz ... seus filhos...

A primeira Espada que brilhou no Céu
Cadê os meus cabocro que não vem ajudar ...

Em nome de Deus Todo Poderoso
afirma seus filhos em cima desse mundo agora
tanto de noite como de dia, com Deus e a Virgem Maria
com a Estrela da Guia,
reforçá o Anjo da Guarda da minha filha, seja noite como dia,
com a força de Deus e todos Mensageiros
Tirai esse tesouro bravo que tiver no seu corpo
tiver nos seus ossos, tiver no seu nervo
tiver no sangue, tiver nas almas desconjurantes
vamos jogando de porta fora
vamos deixar o quebranto, na companhia da minha filha
Nossa Senhora firma seus filhos
A Virgem Maria Imaculada, ajuda quem precisa
Afirma no frio chão, com a Força de Deus e todos Mensageiros
quem manda nesse mundo é Deus, outro não pode mandar
Espada de São Jorge, ... Santo Inácio, ... Santo João
... te abençoa até agora quem teme o que é bom,
São Sebastião das Pedreira, ajuda seus filhos cima dessa terra fria
Meu São Jorge Guerreiro, afirma seus filhos no frio chão
Nossa Senhora da Penha, firma essa filha com a Força de Deus
e a força de Nossa Senhora
e quem manda nesse mundo é Deus, outro não pode mandar
e a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo,
que afaste todo mal do caminho,
afasta ... e afirma em cima dessa terra fria
e ajuda essa filha... Nossa Senhora... em cima do frio chão
com a força de Deus, Força de Oxalá, Força de todos Mensageiros ...

... não anda só, não anda
Meu Santo Antônio Machadinha de Aruanda

Salve a Deus, Salve a Força da Trindade
Salve a Força ..., Salve as Estrelas
olha pra minha filha de Deus
Reforça o Anjo da Guarda da minha filha, minha filha vencer...
quem manda nesse mundo é Deus, outro não pode mandar
Meu Jesus de Nazaré, ajuda minha filha
minha filha com ... se deita em cima dessa terra fria
Meu São Pedro, meu São Paulo, meu São Cosme, São Damião
todos Santos levanta ajuda todos filhos que precisa
da ajuda daquele Pai de Misericórdia que nossos filhos,
com Deus e Nossa Senhora. Minha Santa Estrela da Guia
Iluminar todos caminhos dos meus filhos
Para seus filhos caminhar, em cima dessa terra fria

Caminho de São José
também é da Virgem Maria
Caminho de São José
também é da Virgem Maria
Caminha os vossos filhos
Com Deus e a Virgem Maria
Em cima dessa terra fria
Com Deus e Nossa Senhora
Caminho de São José
também é da Virgem Maria
Caminho de São José
também é da Virgem Maria
Caminha os vossos filhos
Em cima do frio chão
A Paz de Jesus Cristo
Que alumia o caminho meus filhos
Em cima dessa terra fria

E encerrou as rezas dizendo, “Fica tudo na Paz de Deus, Nossa Senhora”.


3.15.2 – As Simpatias
Maria Jocélia de Souza, conhecida como “Maria Rezadeira”, nos ensina uma delas,

(...) acender as segunda-feira acender uma vela assim, do lado de fora no cantinho, pras Santas Almas benditas, e fazer o pedido que quer, as Santas Almas Benditas, e depois diante disso, a pessoa fazer oração pra Santo Antônio poder conseguir, Santo Antônio Pequenininho, pra dar o que a pessoa quer, iluminar os caminhos e ajudar a pessoa.

Por estar trabalhando no ramo, e por lidar com inúmeras pessoas que vez ou outra compram seus produtos para fazer uma simpatia, o comerciante Paulo Roberto Soares de Souza, chegou deu-nos duas receitas de simpatias, ei-las,

(...) a pessoa pega um Santo Antônio médio, né? Quem tem o furo embaixo, que eles falam, que tem uma abertura embaixo, uma cavidade, faz o pedido no papel, o que a pessoa quer, quer conquistar um amor, e coloca ali e pega uma fita verde, né? E amarra e dá três nós, e faz o pedido que a pessoa quer, aí guarda aquele Santo Antônio como se fosse um amuleto para ele se ela conseguir, se ela conseguir, ou ele conseguir. A pessoa que fez aquele trabalho, não pode saber nunca da existência daquele Santo Antônio guardado ali, entendeu? Para que possa prolongar mais o amor, não terminar aquela paixão deles, né?
(...) pegar um pirezinho (pires pequeno) virgem, botar um Santo Antônio em pé ali no pirezinho virgem, entendeu? E acender uma vela durante sete dias, todo dia acender uma, e fazer um pedido em oração, certo? Para que Santo Antônio possa trazer aquela pessoa que ele gosta.


Em sua tese de doutorado, Luiz Beltrão chegou a dedicar um capítulo inteiro para as videntes e para os volantes de propaganda, que com textos indagativos sobre os problemas humanos, como: desemprego, falta de dinheiro, problemas de saúde e de relacionamentos amorosos, convida a pessoa a procurar uma vidente ou também, uma rezadeira, que irá lhe ajudar a se afastar desses males. Em “Folkcomunicação: Teoria e Metodologia, pgs. 131-133, 135 e 137-138, Beltrão, nos conta que,

A tirar pelo número de pessoas e instituições que se dedicam ao mistério de desvendar o futuro e orientar o comportamento humano à luz de conhecimentos esotéricos, é imensa a clientela de astrólogos, cartomantes, necromantes, quiromantes, videntes de bolas de cristal, manipuladores de búzios, rezadeiras e benzedeiras, bem como de indivíduos dotados de qualidades mediúnicas. Esses portadores de dons divinatórios são considerados pelos crentes como intermediários entre o mortal comum e a divindade ou santo, “uma ponte de comunicação com o outro lado”, e estão aptos a revelar-lhes os mistérios do porvir, mediante o conhecimento do passado e do presente irrevelado, permitindo-lhes traçar planos para a obtenção de desejo material ou espiritual: cura, paz, fortuna, felicidade.
(...) A despeito dos obstáculos que se lhes antepõem, os videntes, como os bicheiros, proliferam no submundo dos mais necessitados, dos desiludidos, dos náufragos da fortuna, da saúde ou da paz interior ou doméstica.
Por intermédio dessas folhas avulsas impressas, os videntes difundem suas mensagens, cujo conteúdo inclui doses substanciais do misticismo ou da religiosidade popular e, ainda, da natural tendência do homem para o gozo das facilidades que a vida moderna proporciona em bem-estar e segurança. Assim, todos os textos apelam para tais crenças e aspirações, enfatizam as dificuldades da vida e asseguram a posse pelos seus agentes, de poderes que lhes foram conferidos por forças sobrenaturais, graças ao domínio de “ciências ocultas”, “ciências orientais”, “grafologia”, “comunhão de pensamento”, “espiritualismo”, “ciência do caráter”, “cosmobiologia”, “astrologia estatérica” e quejandas técnicas, que já lhes granjearam fama mundial...
(...) Nesta modalidade de volante, os problemas mais comuns aos possíveis clientes são enumerados no interrogativo, sem qualquer preocupação gramatical ou sintático, mas com a veemência de quem está seguro de dar lhes solução. Eis os mais freqüentes:
a) casos íntimos, incluindo amores frustrados, uniões ameaçadas, questões de família, abandono pelo ser amado (“Tens casos íntimos a resolver? Sois infeliz com vossa família? Necessitais... facilitar algum casamento difícil? Quereis fazer voltar a vossa companhia alguém que de vós tenha separado? Existe desarmonia em seu lar? Quereis saber de um ente distante?” “Os seus amores não são correspondidos?” Quanto vale a paz entre um casal?”);
c) fortuna, representada por bons negócios, êxito em demandas, oportunidade de emprego, lucros maiores e certos (“Amigo Leitor: Os seus negócios não correm bem? V. S. anda mal de vida?” “Há queda de lucros em sua lavoura, indústria ou comércio?” “Pretendes viajar para realizar algum negócio? Comprar ou vender e estás em dúvida?” “Tens... negócios embaraçados ou demandas?” “Quereis... alcançar bons empregos e prosperidades?”);
Além desses problemas “banais”, o leitor é convidado a consultar a vidente “sem compromisso”, mesmo que “fiques em dúvida do que aqui está escrito”, pois assim terás a oportunidade de desfrutar dos anais do espiritismo”. E não é só: “ficarás satisfeito com uma única entrevista” para “tratar de casos` que V. S. não encontre solução”: ela lhe indicará “a remoção de qualquer dificuldade da vida”, pois está apta a resolver “todos os casos ao alcance da ciência oriental”.
(...) Além das credenciais “científicas” exibidas, as videntes recorrem a outras, adequadas ao público da localidade em que procuram clientela: ora se identificam como espíritas, ou seja, adeptas qualificadas de religião oficialmente aceita por todos os setores da população brasileira, notadamente na versão Kardecista; ora se dizem ligadas ao candomblé e à umbanda; ora, como vimos, esclarecem que sua atividade não contraria qualquer seita religiosa.
(...) esses distribuidores de ilusões e esperanças que, como seus precursores dos tempos coloniais, os pajés indígenas e os ciganos de remota origem asiática, são misteriosos e andejos.
(...) Indo e vindo, espraiando-se como ondas do oceano sobre as areias, as videntes estão, como citamos, (...) em todos os confins deste Brasil, ele próprio sempre voltado para o futuro que os videntes descortinam esplendorosamente.

3.16 – O fabricante e os vendedores de imagens
A fé faz com que o homem utilize diversos meios, para pedir proteção ao seu santo. Nesse vale tudo, velas, folhinhas, medalhas, escapulários e imagens são adquiridos com o objetivo de tê-los como escudos, contra diversos males e principalmente para conseguir alcançar diversas graças. Ter a imagem de um santo dentro de casa é motivo de alegria e principalmente de segurança, e nesse aspecto o homem deposita toda a sua fé na proteção do seu santo.
Em Campos, no bairro da Codin, esse pesquisador encontrou uma fábrica de imagens (Atelier Nossa Senhora das Vitórias), cuja produção é feita em resina e para exportação. Manoel Pereira da Silva informou que,

Bem, tem que contar o seguinte, no início a gente tinha uma pequena fábrica, fundo de quintal, que era mais gesso, aí não dava pra fazer um trabalho melhor, com bom acabamento, aí nós partimos no meio de resina, que a resina dá um acabamento muito mais firme, muito real. Aí começamos a trabalhar e a fábrica cresceu por causa do acabamento, hoje nós temos no mercado só um concorrente forte, que fica em São Paulo então o acabamento abriu portas pra exportação, por causa do acabamento das imagens. Aí viemos aqui pra Codin que é um espaço maior, começamos essa fábrica aqui. (...) Aqui nós começamos a trabalhar com imagem pequena, depois começamos a aumentar o tamanho das imagens e aí tamos no ponto que tá agora, estamos exportando, tem uma fábrica, pedido saindo (...) e nós temos por volta de 80 itens diferentes de imagem.

Ainda em Campos, é possível encontrar imagens de Santo Antônio nas seguintes lojas: Livraria Nossa Senhora do Terço (R. Governador Teotônio Ferreira de Araújo, 89), Catedral do Santíssimo Salvador (Pça. do Santíssimo Salvador, sn), A Festival Papelaria (Praça do Santíssimo Salvador, 69), Livraria Católica (R. 21 de Abril, s/n), Livraria Diocesana (Av. Alberto Torres, 41) e Livraria Vozes (Av. Visconde de Itaboraí, 169). Vale ressaltar que a exceção das lojas, A Festival Papelaria, Livraria Católica e Livraria Vozes, todas as outras lojas estão localizadas no mesmo prédio das seguintes igrejas, Catedral do Santíssimo Salvador, Igreja Nossa Senhora do Terço e Igreja Nossa Senhora da Boa Morte.
Os preços das imagens variam de uma loja para outra e a tabela abaixo mostra o valor de cada imagem que havia em cada uma das lojas no momento em que o pesquisador passou por elas.

A Festival Papelaria
Produto
Obs.
Preço
Imagem
10 cm
14,00
Capela

7,35
Santinho com medalha

3,00
Medalhinha

1,40

Livraria Nossa Senhora do Terço
Produto
Obs.
Preço
Imagem pequena
24,5 cm
28,35
Imagem média
30 cm (Barroca)
48,70
Imagem grande
41 cm
65,40
Quadro (esquerda)
Busto
8,00
Quadro (parede)
Corpo inteiro
10,90
Livro Vida de Santo Antônio

18,50
Novena de Santo Antônio

3,50
Medalhinha

0,50

Livraria Diocesana
Produto
Obs.
Preço
Imagem
20 cm
21,00
Terço

2,50
Santinho

0,20



Catedral do Santíssimo Salvador
Produto
Obs.
Preço
Imagem pequena
7 cm
5,00
Imagem pequena
10 cm
8,00
Imagem média
20 cm
26,80
Imagem grande
32 cm (Barroca)
43,30
Busto

28,00
Oratório

23,00
Capelinha

10,00
Trezena de Santo Antônio

5,40
Coroa de Santo Antônio

2,40

Livraria Vozes
Produto
Obs.
Preço
Imagem
11 cm
8,00
Imagem (made in Italy)
5 cm
4,30
Almanaque Santo Antônio
Livro
8,00
Vida de Santo Antônio
Livro
15,80
Santo Antônio, a realidade
Livro
16,90
Santo Antônio, vida, milagres, culto
Livro
13,30

Sobre a ausência de produtos com a imagem de Santo Antônio em sua loja, o gerente da Loja Diocesana, Cliveraldo Pinto explicou que,

É porque aproximando mais a época de junho, porque é a época do festejo do Santo Antônio, né? Então é época de muita procissão, de muitas celebrações especiais e aí as pessoas vem até a loja a procura desse material.

Além dessas lojas, a imagem também pode ser adquirida no Mercado Municipal, nos boxes internos Loja das Ervas (Box 22), Flora Vovó Tereza, Carlinhos da Flora (Box 42) e Flora Santo Amaro – Artigos de Umbanda (box 73-77). E é aqui que encontramos também, outros apetrechos como: velas, livros, produtos em cera, e diversos produtos para simpatias.
Na Loja das Ervas (Box 22), Paulo Roberto Soares de Souza, nos conta porquê em sua loja, não foi encontrada uma grande quantidade de imagens de Santo Antônio. Segundo ele,

É chega na época os vendedores aparecem com uns três, dois meses antes, faz o pedido, a gente vai faz a encomenda que é para a gente também não ficar assim investindo muito num produto para ficar parado, praticamente ele sai mais é na sua época, né? Então a gente fazendo o pedido na época a gente sabe mais ou menos quanto vai vender, quanto vai sair, pra poder a gente não investir muito, não gastar muito dinheiro e ao passo que se eu for comprar de todos os santos que existe, nós temos que ter uma loja muito grande, então a gente tem que ter as coisas controladas, não é?

No Mercado Municipal apesar dos boxes internos que vendem produtos de umbanda e candomblé estarem muito próximos, uma imagem de Santo Antônio de 20 centímetros de altura, pode ser encontrada por preços entre R$ 7,00 e R$ 10,00. A maior imagem foi encontrada na Flora Santo Amaro, com 70 centímetros de altura, feita em gesso e com o valor estipulado em R$ 55,00. Em cada um dos boxes internos do Mercado Municipal o devoto encontra diversos produtos em cera, com os formatos de cabeças, pernas, braços, etc, cujos preços diferenciam-se conforme resultado de uma pesquisa efetuada no dia 17 de fevereiro de 2005.

Produto
Loja das Ervas
Flora Sto. Amaro
Carlinhos da Flora
Box 38-40
Vovó Tereza
Corpo
4,00
4,00
4,50
4,00
5,00
Cabeça
4,00
4,00
4,50
4,50
4,00
Braço
4,00
4,00
4,50
4,00
6,00
Pernas
4,00
4,00
4,50
4,00
6,00
Barriga
4,50
3,90
3,50
3,00
4,00
Mão
4,00
3,00
3,00
3,00
2,50 cada

4,00
3,00
3,50
3,00
2,50 cada
Pênis
Não trabalha
3,90
5,00
3,00
4,00
Vagina
Não trabalha
3,90
5,00
3,00
3,00
Útero
5,00
2,50
4,50
Não tem
3,00
Coração
3,00
2,50
3,00
3,00
3,00
Rins
2,50
2,50
3,00
3,00
2,50
Estômago
4,00
3,00
3,00
4,00
4,00
Pulmão
4,50
3,90
5,00
3,00 cada
3,00
Peito
4,00 duplo
2,00 simples
3,90
4,50 duplo
2,00 cada
3,00
5,00 duplo
2,50 unid.
Garganta
3,50
2,00
3,00
Não tem
3,00
olhos
2,50
2,00
4,00 par
3,00 compl.
1,50 cada

Portanto, as imagens de Santo Antônio podem ser adquiridas por pessoas de diversas classes, das mais baixas, vistas no Mercado Municipal, como as mais altas, freqüentando as lojas no centro da cidade, em locais de pouco movimento popular.

3.17 – Santo Antônio e a Música Popular Brasileira
A popularidade de Santo Antônio é tão grande que dois grandes expoentes da Música Popular Brasileira lhe renderam homenagens, Hermeto Pascoal e Maria Bethânia.
Vendo a fé do povo nesse santo, Hermeto Pascoal conhecido pelos seus arranjos e pelo estudo que empreende para compor suas músicas, criou em 1979, a música “Santo Antônio”, no disco “Zabumbe-bum-á”.
Segundo dados dessa música, Hermeto ao piano, puxava a melodia, ao mesmo tempo em que ouvia histórias de Divina Eulália de Oliveira, que juntamente com Pernambuco (triângulo), e Zabelê (chocalhada), diziam palavras de improviso em homenagem ao santo. Além deles, fizeram parte dessa composição os músicos Nenê (bateria e percussão), Itiberê (contra-baixo), Jovino (clarinete) e Cacau (flauta).
O disco contendo essa música e gravado pela WEA foi posteriormente remasterizado e relançado num CD pela Warner Music.
Mas foi em 2003 que Santo Antônio recebeu uma homenagem mais expressiva de J. Velloso que compôs essa letra para homenageá-lo,

“Que seria de mim meu Deus
Sem a fé em Antônio
Que seria de mim meu Deus
Sem a fé em Antônio
A luz desceu do céu
Clareando o encanto
Da espada espelhada em Deus
Viva viva meu santo
Saúde que foge, volta por outro caminho
Amor que se perde, nasce outro no ninho
Maldade que vem e vai, vira flor na alegria
Trezena de junho, é tempo sagrado
Na minha Bahia
Que seria de mim meu Deus
Sem a fé em Antônio
Que seria de mim meu Deus
Sem a fé em Antônio
Antônio querido, preciso do seu carinho
Se ando perdido, mostre-me novo caminho
Nas tuas pegadas claras, trilho o meu destino
Estou nos teus braços, como se fosse o Deus Menino
Que seria de mim meu Deus...”

A música cantada por Maria Betânia está em seu CD “Brasileirinho”, cujo show em março/2004 no Canecão (Rio de Janeiro), foi gravado e encontra-se a disposição do público também em DVD.

3.18 – Santo Antônio no cinema
Enquanto elaborava esse trabalho, e me lembrava do filme “A Marvada Carne”, acima descrito como um dos momentos em que Santo Antônio, bem como a sua crença e lenda foram mostradas no cinema nacional, ao continuar minhas pesquisas pela internet, no intuito de encontrar outras imagens do santo, descobri que o cinema já havia feito as filmagens de sua vida, tanto aqui no Brasil, como na Itália, onde ele é venerado. No site (
www.cinemedioevo.net/ Film/cine_elenco_filmogr...) é possível ver inclusive a ficha técnica dos seguintes filmes, “Antonio di Padova, il santo dei miracoli”, “Antonio di Padova”, “Obras no mês de Santo Antônio”, “Sant’Antonio di Padova”, “Antonio dos Milagres”, e “La língua Del Santo”, no site (www.cinemazip.it/homeVideo. asp?homeVideoID=28).
Eis os detalhes dos filmes,

ANTONIO DI PADOVA, IL SANTO DEI MIRACOLI
1931, regia di Giulio Antamoro
Scheda: Nazione: Italia - Produzione: Sacras - Distribuzione: Sacras - Soggetto: dal romanzo di Vittorino Facchinetti - Sceneggiatura: Giulio Antamoro - Fotografia: Emilio Guattari - Scenografia: Arnaldo Foresti, Alfredo Montori - Musiche: Franceso Catalani d'Abruzzo - Formato: B.N.; sonoro ma privo di dialoghi - Durata: 93'.
Cast: Carlo Barni, Ruggero Casini, Armando Cosci, Elio Pinzauti, Aldo Quinti.

ANTONIO DI PADOVA
1949, regia di Pietro Francisci
Scheda: Nazione: Italia - Produzione: Oro Film - Distribuzione: Oro Film, Trans Global - Soggetto: Pietro Francisci, Giorgio Graziosi - Sceneggiatura: Raul De Sarro, Fiorenzo Fiorentini, Pietro Francisci, Giorgio Graziosi - Fotografia: Mario Bava - Scenografia: Luigi Scaccianoce - Musiche: Carlo Innocenzi - Formato: B.N. - Durata: 85'.
Cast: Aldo Fiorelli, Aldo Fabrizi, Alberto Pomerani, Silvana Pampanini, Lola Braccini, Carlo Duse, Cesare Fantoni, Mario Ferrari, Carlo Giustini, Guido Notari, Luigi Pavese, Ugo Sasso, Nino Capriccioli, Vittorio Cramer, Anna Di Lorenzo, Sergio Fantoni, Armando Guarneri, Riccardo Mangano, William Murray, Piero Pastore, Nino Pavese, Valerio Tordi, Dianora Veiga.

OBRAS NO MÊS DE SANTO ANTÓNIO
1964, regia di Mário Pires
Scheda: Nazione: Portogallo - Produzione: Câmara Municipal de Lisboa - Formato: B.N., documentario.

SANT’ANTONIO DI PADOVA
1990, regia di Giorgio Salce
Scheda: Nazione: Italia - Fotografia: Giovanni Cavallini. Cast: Fabio Balasso, Gianni De Luigi, Grazia Mandruzzato, Felice Picco, Diego Ribon.

ANTÔNIO DOS MILAGRES
1996, regia di Lucas Bueno
Scheda: Nazione: Brasile - Sceneggiatura: Dárcio Della Monica, Geraldo Vietri - Formato: Color, serie tv.
Cast: Manuela Assunção, Jefferson Brito, Sérgio Buck, Iara Cordula, Amanda Correa, Amazyles de Almeida, Lourdes de Moraes, Ruthinéa de Moraes, Osmar Di Piere, Alexander Dutra, Liana Duval, Haydée Figueiredo, Ênio Gonçalves, Washington Lasmar, Eriberto Leão, Iara Marques, Jonas Mello, Alejandro Muniz, Felipe Neri, Luiz Parreiras, Moara Seneghini, Davi Taiu, Sandra Thea.

LA LINGUA DEL SANTO Regia: Carlo MazzacuratiCon: Antonio Albanese, Fabrizio Bentivoglio, Isabella FerrariDistribuzione: Medusa Home Entertainment110' - Colore – Dolby - Italia 2000
SANT’ANTONIO DI PADOVA
2001, regia di Umberto Marino
Scheda: Nazione: Italia - Produzione: Lux Vide, MediaTrade - Distribuzione: Oro Film, Trans Global - Soggetto: Alessandra Caneva, Umberto Marino, Fernando Muraca - Sceneggiatura: Umberto Marino - Fotografia: Roberto Meddi - Montaggio: Stefano Chierchiè - Scenografia: Nino Formica - Costumi: Maurizio Basile - Musiche: Marco Frisina - Formato: Color - Durata: 102'.
Cast: Daniele Liotti, Enrico Brignano, Pepe Sancho, Peppino Mazzotta, Vittoria Puccini, Francesco Stella, Glauco Onorato, Pedro Casablanc, Luigi Burruano.

Sem falar logicamente de “A Marvada Carne”, que foi o grande vencedor do Festival de Gramado 85, tendo conquistado diversos os títulos de Melhor Filme, pelo júri oficial e pelo júri popular, Melhor Atriz, Melhor Roteiro, Melhor Direção, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Cenografia e Melhor Música. Além de ter recebido o Prêmio da Crítica, bem como, Menção de Ator Coadjuvante para Dionísio Azevedo, Prêmio Kodak de Fotografia (Prêmio Edgar Brasil) e Prêmio Vasp (Diretor e Atriz), e cuja ficha descrevemos abaixo,

A MARVADA CARNE
Produção: Tatu Filmes e Cláudio Kahns – Roteiro: André Klotzel e Carlos Alberto Sofredini – Argumento e Direção: André Klotzel – Direção de Arte: Adrian Cooper – Música: Rogério Duprat e Passoca.
Ano: 1985 – Gênero: Comédia
Elenco: Adilson Barros, Fernanda Torres, Dionísio Azevedo, Genny Prado, Regina Case, Lucélia Machiavelli, Paco Sanches, Henrique Lisboa, Chiquinho Brandão, Tio Celso, Tonico e Tinoco.


3.19 – Lá como cá, o galo anuncia o novo tempo

“Replicou-lhe Jesus: Em verdade te digo que, nesta mesma noite, antes que o galo cante, tu me negarás três vezes”. (Mateus, 26; 39;34).

A paráfrase acima extraída da Bíblia Sagrada, mostra o momento que antecedia o ato da traição de Judas no local conhecido como Getsêmani. E assim Jesus anunciou a Pedro que antes do galo cantar, ele o negaria.
Mas por quê utilizo a Bíblia para falar do galo? É porque há mais de dois mil anos que o fato é conhecido e Jesus que nasceu numa manjedoura teve como primeiros visitantes de seu nascimento os animais. Mesmo sendo um momento tão triste nessa passagem bíblica, Jesus deu ao galo uma importância muito grande, e é o seu canto em alta madrugada que nos traz a certeza de que um novo dia e um novo tempo está para chegar.
Nas cidades do interior os moradores mais antigos informam que se um galo cantar no momento em que está se formando uma tempestade, esta se desfaz num instante. E esse fato foi contado quando o autor desse trabalho residiu em Marataízes (Espírito Santo), por dois anos.
Curiosamente, tanto no alto da Igreja em Guarus, como no Convento, localizado no Largo da Carioca (Rio de Janeiro), há um galo de ferro apontando a direção do vento e anunciando a mudança de tempo. Mas vale lembrar também, que Santo Antônio, pertencia a Ordem Franciscana, criada por São Francisco de Assis, que é conhecido pelo seu amor aos animais.
Ao visitar o site do Convento de Santo Antônio (RJ) na Internet, encontrei estas palavras, escritas por Frei Luiz Sassi, em homenagem ao galo.

“Todos me chamam de Galo do Convento.Com prazer aceito!Sou o galo que mostra o tempo.
Em 1610, colocaram-me no tempoos portugueses... no frio e no vento!A chuva e o bom tempo indico!
Na invasão dos franceses me lembro,que os vi navegando ao vento,para depois saquearem o Convento.
Sou o galo mais velho...Se um dia do poleiro me tirarem:me deixem num museu, eu agüento!...”

Este mesmo Frei fez um relato a respeito do galo localizado no alto do Convento, eis o texto,

“Interessante é saber que da primeira “torre” se conserva uma importante relíquia. É o galo que encima as sineiras. Segundo Vieira Fazenda foi ele fundido em Lisboa e chegou ao Rio em 1610. Pode, pois, gloriar-se de ser o galo mais velho da cidade, e lá do alto de seu poleiro não é apenas um símbolo, lembrando a vigilância no serviço de Deus, mas também o barômetro que indica as mudanças de tempo, embora aconteça a ele o que é próprio das coisas deste mundo: falha não raro nas suas previsões”.

3.20 – Curiosidades

Apenas para efeito de registro, vale ressaltar que no Noroeste fluminense, há um município com o nome de Santo Antônio de Pádua, e como todo esse trabalho é calcado em cima do santo, resolvi fazer esse registro, levantando alguns aspectos relativos ao município.
Localizado no noroeste fluminense e as margens do Rio Pomba, que lhe dão a alcunha de “Cidade das Águas”, encontramos o município de Santo Antônio de Pádua.
Sua história remonta aos primórdios do século XVIII, mais precisamente no primeiro quartel deste século, quando o frade capuchinho, Fernando de Santo Antônio, conseguiu dos governantes a doação de algumas sesmarias nas margens do Rio Pomba, afluente do Rio Paraíba, com o propósito de erigir aldeamentos indígenas, para iniciar a catequese deles.
Enfrentando dificuldades como a rusticidade das terras e dos gentios, a falta de continuidade e de assistência, seus esforços não puderam ser coroados de êxito.
Somente muitos anos depois, no começo do século XIX, é que surgiu o continuador para a obra de Frei Fernando, o frade secular Antônio Martins Vieira. Esse religioso é quem conseguiu dar novo impulso às obras de catequese e erigiu nas proximidades do Rio Pomba uma capela consagrada a Santo Antônio de Pádua, reunindo ao redor dela muitas famílias indígenas já pacificadas.
Com o desenvolvimento daquela região ante os esforços do frade, o governo em 24 de novembro de 1824 elevou a sua capela à categoria de curada, a instâncias do Bispo Silva Coutinho.
Dezenove anos depois, os governantes da Província, vendo o progresso daquele lugar, resolveu conceder-lhe o predicamento de freguesia, com a Lei n. 296, de 1º de junho de 1843.
Com a elevação de São Fidélis à categoria de vila, ocorrida em 19 de abril de 1850, a freguesia de Santo Antônio de Pádua passa a obedecer sua jurisdição.
Mas devido ao progresso do setor agrícola, em 2 de janeiro de 1882, o Governo da Província, sanciona os desejos dos habitantes e emancipa-a de São Fidélis, elevando-a à categoria de vila com o Decreto ou Lei Provincial n. 2.597, dessa data. Essa Lei em seu artigo 3º, já antecipava aos paduanos que para a elevação de sua categoria a condição de vila, seria necessário depositar no Tesouro Provincial a quantia necessária para a construção da Casa da Câmara e Cadeia, bem como a responsabilidade dos paduanos na conclusão da referida obra.
Em 6 de setembro de 1882, o Visconde de Silva Figueira, deposita a quantia de 20:800$280, na Tesouraria Provincial, para a construção da Câmara e da Cadeia satisfazendo a exigência desse último artigo. Desse modo, em 26 de fevereiro de 1883, era finalmente instalada a Vila de Santo Antônio de Pádua, que viria finalmente a ser elevada a sua condição de cidade em 27 de dezembro de 1889, pelo Decreto n. 17, do Governo Estadual.


4 - METODOLOGIA
O presente trabalho foi elaborado em várias fases, a primeira consistiu na pré-seleção de textos sobre o tema proposto, ou seja, a história de Santo Antônio, a construção da igreja em Guarus, e as contextualizações proferidas pelos renomados estudiosos do folclore nacional. Em uma segunda fase, a pesquisa ingressou pelo mundo da internet, em busca de imagens e fatos que pudessem embasar este trabalho. Para então, entrar na terceira fase, as pesquisas de campo, por ruas adjacentes a Igreja de Santo Antônio e ao Museu de Campos, localizado na sede da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, conhecida como o Palácio da Cultura, onde pude ouvir o depoimento da historiadora, Silvia Paes.
Finalmente, tendo tudo em mãos, cheguei a última e derradeira parte, colocar tudo o que consegui apurar nestas páginas, mostrando conforme palavras de Luiz Beltrão, que o ser humano ao receber informações sobre uma cultura, ele reinterpreta, adquire e transmite o seu conhecimento, de acordo com o seu habitat, com o seu mundo e a vivência regional. Apesar de que, esse conhecimento é modificado com o tempo, de acordo com o modelo de sociedade vivido durante os seus diferentes períodos.



5 - ANÁLISE DOS RESULTADOS
Diante dos resultados fica claro que o ser humano acredita e tem fé na realização dos seus desejos através da existência de uma entidade espiritual. Sendo assim ele cultua e transmite essa crença para as novas gerações. Mas ao reinterpretar e transmitir essa crença o homem acaba deixando escapar alguns fragmentos e inclui novos elementos a sua cultura.
Cabe aos pesquisadores encontrar esses fragmentos perdidos na memória de quem detinha a cultura, ou quem vivenciou parte da história dentro de um determinado período de tempo.
Depois de relatarmos todos os fatos inerentes a vida de Santo Antônio, bem como a crença do povo, e sua mistificação através dos tempos, passamos a buscar o conhecimento através de teses e dissertações de diferentes autores com o objetivo de mostrarmos que o simples pagamento de promessas e o ex-voto é apenas uma pequena parte de um complexo muito mais abrangente.
5.1 - O que é Folclore?
E a primeira pergunta que fazemos é: “O que é folclore?”. Essa pergunta é essencial para, através dela compreendermos minuciosamente todo o conhecimento que adquirimos ao longo do tempo e que transmitimos as futuras gerações.
Segundo as autoras Marina de Andrade Marconi e Zélia Maria Neves Presotto, em “Antropologia – uma introdução”, pg. 27, folclore é,
“É um dos campos de investigação da Antropologia Cultural, definindo-se como o estudo da cultura espontânea dos grupos humanos rurais ou urbanizados. É uma ciência socioantropológica, uma vez que se dedica ao estudo de determinados aspectos da cultura humana. Preocupa-se com os fatos da cultura material e espiritual que, originados espontaneamente, permanecem no seio do povo, tendo determinada função. O folclore, sendo uma disciplina autônoma, tem seus próprios métodos e técnicas de pesquisa científica. Estuda os fenômenos em sua dimensão espacial e temporal. Mesmo gozando esta autonomia, é considerado ramo da Antropologia, pela identidade de interesses (o homem e a cultura) desses dois campos de conhecimento”.
Mas a palavra folclore (folk = povo; lore = conhecimento, saber), surgiu pela primeira vez em 22 de agosto de 1846, pelo arqueólogo inglês William John Thomas, que desejava explicar que o homem além de ser um ser social, transmite o seu conhecimento através das gerações, não apenas dos seus pares, mas também de todos aqueles que passam a conhecer e conviver com as mais diferentes formas culturais do povo.
5.2 - O que é Folkcomunicação?
Para entrarmos no mérito da questão, é necessário buscarmos a compreensão e a visão que Luiz Beltrão teve ao estudar o folclore para sua tese de doutorado. Em uma entrevista, publicada em Cadernos INTERCOM, n. 57, S. Paulo, Intercom, 1987, jul-dez, pg. 5-15, Ano X, Beltrão conta que,
“(...) Edson Carneiro foi o único homem que percebeu que o folclore não era estático, o folclore não era uma coisa parada no tempo, mas uma coisa dinâmica. (...) pois, eu verifiquei que qualquer manifestação popular estava ligada ao povo, porque o povo não tinha meios, ele utilizava esses meios que lhe davam. Aconteceu que eu vi que a função da comunicação não estava tão somente em informar ou orientar, estava também em educar; havia uma função educativa, uma função diversional e havia uma função promocional. Então eu comecei a aprofundar estes estudos e o resultado é que o conceito de Folkcomunicação foi ampliado para não trocar notícias, mas sim para se educar. Dizer o que ele quer dizer, se promover e entreter-se também, divertir-se do mesmo modo. Nós usamos o sistema estabelecido, o qual chamei do comunicação social para fazer uma diferenciação da comunicação folclórica. O folclore é uma manifestação da sabedoria do povo, quer dizer, o povo faz o folclore. Na Folkcomunicação, o que a gente procura é a mensagem real, atual, escondida naquela manifestação antiquada. É preciso analisar isso em profundidade, não ficar nas aparências”.
Beltrão ainda conta em sua tese de doutoramento “Folkcomunicação, um estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias”, publicado no livro “Folkcomunicação: teoria e metodologia”, Universidade Metodista, São Bernardo do Campo, 2004, pg. 27, que,
“(...) Achava-se de acordo com a tese de Edson Carneiro, segundo a qual “sob a pressão da vida social, o povo atualiza, reinterpreta e readapta constantemente os seus modos de sentir, pensar e agir em relação aos fatos da sociedade e aos dados culturais do tempo”. (...) Folkcomunicação é, assim, o processo de intercâmbio de informações e manifestação de opiniões, idéias e atitudes da massa, por intermédio de agentes e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore.
Em “Mediações comunicacionais: relações entre mídia e folclore”, In: BELTRÃO, Luiz, Comunicação e folclore, São Paulo, Melhoramentos, 1971, p. 11-16, ele ainda acrescenta que,
“(...) Antropologistas como Edison Carneiro advertiam que “sob a pressão da vida social, o povo atualiza, reinterpreta e readapta constantemente os seus modos de sentir, pensar e agir em relação aos fatos da sociedade e aos dados culturais do tempo”, fazendo-o por meio do folclore, que é dinâmico porque, “não obstante partilhar, em boa percentagem, da tradição e caracterizar-se pela resistência à moda (...) é sempre, ao mesmo tempo como que uma acomodação, um comentário e uma reivindicação”.
(...) De saída, foi-me preciso recorrer às páginas da história. Reler os cronistas coloniais, retornar à época em que, no Brasil, não havia estradas, nem meios de transporte e, muito menos, folhas impressas. Saber como se comunicavam os indígenas, senhores da terra, mesmo antes que aqui chegassem as velas lusitanas. E acompanhar, através dos séculos de povoamento, a evolução dos meios primitivos de contato social”.
E José Marques de Melo, ainda acrescenta, em “A pesquisa da Folkcomunicação”, In; MARQUES DE MELO, José, org. – Pesquisa em comunicação no Brasil: tendências e perspectivas, São Paulo, Cortez/INTERCOM/CNPq, 1983, p. 70-76, que,
“(...) Édson Carneiro (...) do seu conceito de folclore, não como um corpo orgânico mumificado, mas como fenômeno social vivo, dinâmico, em constante transformação, dialeticamente sendo e não sendo idêntico fenômeno ao mesmo tempo. Na defesa do seu acertado e afinal triunfante ponto de vista, (...) Não obstante partilhar, em boa percentagem, da tradição, e caracterizar-se pela resistência à moda, o folclore é sempre, ao mesmo tempo que uma acomodação, um comentário e uma reivindicação” (Dinâmica do folclore, Rio, Civilização Brasileira, 1965).
(...) Saintyves reconheceu a importância (...) “A vida popular (...) embora seja uma vida particular, é difusa em toda a vida civilizada. Não se deve considerá-la com uma atividade em compartimento estanque (...). O estudo das sociedades civilizadas requer (...) o estudo aprofundado do folclore, das maneiras por que o povo reage às sugestões que lhe são feitas, dos meios empregados para fazer com que as aceite, para criar nele novas maneiras de agir, de se divertir e de trabalhar, novos modos de crer e de pensar”.
O folclore, modificando-se sob a ação geral das várias forças espontâneas e dirigidas da sociedade, por sua vez provoca modificações no todo, que é a sociedade. São ensinamentos de Édison Carneiro.
(...) Entre os estudos inspirados nas linhas, em fase de conclusão, pelo autor desta comunicação, está intitulado A herança de um duende indígena em que se tenta uma interpretação da noção do caiporismo, da falta de sorte, que Gilberto Freyre considera “tão ligada à vida psíquica do brasileiro”, porque sempre presente no espírito e na ação de significativo número de pessoas por meio de superstições, práticas medicinais mágicas e medidas preventivas, sem cujo conhecimento e obediência jamais podem alcançar aquele ideal de vencer pela aventura e não por um espírito de construção pertinaz”.
Finalmente em “O sistema da Folkcomunicação”, publicado em “Folkcomunicação, a comunicação dos marginalizados”, São Paulo, Cortez, 1980, p. 27-40, Beltrão nos deixa o seu legado, cujas palavras são as seguintes,
(...) Em outras palavras, a Folkcomunicação é, por natureza e estrutura, um processo artesanal e horizontal, semelhante em essência aos tipos de comunicação interpessoal já que suas mensagens são elaboradas, codificadas e transmitidas em linguagens e canais familiares à audiência, por sua vez conhecida psicológica e vivencialmente pelo comunicador, ainda que dispersa.
(...) A expressão marginal surge, na literatura científica, pela primeira vez em 1928, em artigo de Robert Park sobre as migrações humanas, publicado no American Journal of Sociology. O migrante é ali definido como um “híbrido cultural”, um “marginal”, que, embora compartilhe da vida e das tradições culturais de dois povos distintos, “jamais se decide a romper, mesmo que lhe fosse permitido, com seu passado e suas tradições, e nunca (é) aceito completamente, por causa do preconceito racial, na nova sociedade em que procura encontrar um lugar”.
(...) O autor se refere à situação do migrante estrangeiro; contudo, tanto a essência das características grifadas (oposição à mudança/preconceito) como a tipificação a seguir coincidem com nosso objeto: “É um indivíduo à margem de duas culturas e de duas sociedades que nunca se interpenetraram e fundiram totalmente” (grifos nossos). Posteriormente, o termo ganhou significado pejorativo sendo o marginal considerado elemento perigoso, ligado ao mundo do crime, o fora-da-lei, vagabundo, violento, homem ou mulher que viva da bebida, dos tóxicos, da prostituição e dos atentados à propriedade. Extensivamente, foi aplicado “aos pobres em geral, desempregados, migrantes, membros de outras subculturas, minorias raciais e étnicas e transviados de qualquer espécie” (Perlmann).
(...) O mesmo autor assinala, (...) a influência da invasão do exterior, como ocorreu na América Latina, onde “o processo da colonização implicou não apenas conquista e invasão, mas contato cultural e manipulação diária da população indígena”, o que colocou as culturas existentes numa situação marginal; e ainda a inexistência do fenômeno em sistemas tribais ou feudais, já que o primeiro “não implicava conceito de superioridade” e, no último, “havia a aceitação tácita da sua posição e da natureza hierárquica da sociedade”.
(...) Não se deve esquecer que, enquanto os discursos da comunicação social são dirigidos ao mundo, os da Folkcomunicação se destinam a um mundo em que palavras, signos gráficos, gestos, atitudes, linhas e formas mantêm relações muito tênues com o idioma, a escrita, a dança, os rituais, as artes plásticas, o trabalho e o lazer, com a conduta, enfim, das classes integradas da sociedade. Relações semelhantes, em sua consistência, às quais ligam ao latim a língua falada no Brasil ou a doutrina e a moral católicas ao sincretismo e à ética umbandista”.
Em “Introdução à Folkcomunicação – Gênese, paradigmas e tendências”, publicado no livro “Folkcomunicação – Teoria e Metodologia”, Editora UMESP, São Paulo, 2004, pg. 15-19, José Marques de Melo nos conta sobre o olhar de Beltrão diante do fenômeno que era o folclore e das suas atualizações.
“(...) No artigo sobre o “ex-voto”, ele suscitava o olhar dos pesquisadores da comunicação para um tipo de objeto que já vinha sendo competentemente estudado pelos antropólogos, sociólogos e folcloristas, mas negligenciado pelos comunicólogos. (...) Na verdade, Beltrão descobrira que os processos modernos de comunicação massiva coexistiam, no espaço brasileiro-nordestino, com fenômenos de comunicação pré-moderna. Eram reminiscências do período medieval-europeu, transportadas pelos colonizadores lusitanos e historicamente aculturadas, aparentando uma espécie de continuum simbólico. Tais veículos de comunicação popular ou de folkcomunicação, como ele preferiu denominar, mesmo primitivos ou artesanais, atuavam como meros retransmissores ou decodificadores de mensagens desencadeadas pela indústria da comunicação de massa (jornais, revistas, rádio, televisão).
(...) Nesse sentido ele tomou ao pé da letra a proposta de Câmara Cascudo: ande primeiro com os próprios pés e veja com os próprios olhos para depois comparar com as pegadas e os olhares dos outros. (...) A globalização permite vislumbrar o cenário de um mundo polifacético e multicultural. Ele sugere que qualquer inserção pro-ativa no seu universo depende basicamente do capital simbólico acumulado nas mega, macro ou micro-regiões, potencialmente convertíveis em imagens e sons capazes de sensibilizar a aldeia global. Vale dizer, ancorados em dimensão universalizante. Ou, em outras palavras, enraizados na cultura popular, mas traduzidos para a linguagem da cultura de massa”.
E no mesmo artigo (op. cit.), pg. 11-14, José Marques de Melo, acrescenta que,
(...) A Folkcomunicação constitui uma disciplina científica dedicada ao “estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias”, como bem a definiu seu fundador, Luiz Beltrão, na tese de doutoramento defendida em 1967 na Universidade de Brasília. Seu objeto de estudo situa-se na fronteira entre o Folclore (resgate e interpretação da cultura popular) e a Comunicação de Massa (difusão industrial de símbolos por meios mecânicos ou eletrônicos destinados a audiências amplas, anônimas e heterogêneas).
Se o Folclore compreende formas interpessoais ou grupais de manifestação cultural protagonizadas pelas classes subalternas, a Folkcomunicação caracteriza-se pela utilização de mecanismos artesanais de difusão simbólica para expressar, em linguagem popular, mensagens previamente veiculadas pela indústria cultural.
(...) Tais apropriações são mais comuns nos formatos ficcionais ou musicais. No entanto, o próprio jornalismo se abastece continuamente nas fontes da cultura popular, registrando indícios das sobrevivências tradicionais na vida das comunidades modernas. Tais manifestações populares se convertem em notícias pelo seu caráter inusitado, pitoresco ou sentimental.
(...) Desta maneira, a folkcomunicação adquire cada vez mais importância pela sua natureza de instância mediadora entre a cultura de massa e a cultura popular, protagonizando fluxos bidirecionais e sedimentando processos de hibridação simbólica.
(...) FOLKCOMUNICAÇÃO – Em termos gerais, pode-se dizer que folkcomunicação é comunicação em nível popular. Por popular deve-se entender tudo o que se refere ao povo, aquele que não se utiliza dos meios formais de comunicação. Mais precisamente: Folkcomunicação é a comunicação através do folclore. (...) A origem do termo Folkcomunicação se deu em 1967, com a tese de doutoramento do Prof. Luiz Beltrão... (LUYTEN)
20.

Para contar-nos um pouco sobre Luiz Beltrão, encontramos no artigo “Expandindo a proposta da obra fundadora”, escrito por Roberto Benjamin, e publicado no Anuário UNESCO/UMESP de Comunicação Regional, vol. 5, pg. 18, essas palavras,
“(...) Luiz Beltrão não foi um etnógrafo. O material etnográfico que aparece na sua obra científica reflete a sua vivência como repórter dos jornais do Recife e são anteriores à formulação de “Folkcomunicação” a sua tese de doutoramento. O material bibliográfico, de natureza etnográfica, de que se valeu para a elaboração da tese foi produzido por folcloristas e antropólogos que não tinham uma preocupação com o enfoque que pioneiramente tratado no Brasil por Beltrão. As poucas leituras – cujas citações são acrescidas na elaboração do livro Folkcomunicação – a comunicação dos marginalizados, pouco acrescentam à obra original.
Por tudo isso – e em razão da dinâmica da vida cultural no Brasil – os escritos de Luiz Beltrão precisam ser apreciados como obra fundadora, que abre uma nova perspectiva no caminho dos estudos da Comunicação e que requer uma revisitação que permita expandir a sua proposta para compreender os fatos culturais e comunicacionais do nosso tempo”.
Finalmente concluímos esse trabalho, com trechos do artigo de Antônio Hohlfeldt, “Folkcomunicação positivo oportunismo de quase meio século”, (op. cit.), pgs. 26-31, e que tão bem conceitua a folkcomunicação e o legado de Luiz Beltrão para todos aqueles que desejam se aprofundar nos estudos folclóricos em nosso país.
“(...) De qualquer modo, o de que se pode ter absoluta certeza é a respeito da dinâmica excepcional de que o campo se alimenta, na medida em que, justamente, como todos reconhecemos com facilidade, é interdisciplinar, por exigir simultaneamente apelo a diferentes áreas não só das ciências sociais, em aproximações horizontais e eqüitativas, quanto multidisciplinar, indo a etnografia à sociologia, passando pela antropologia, o folclore, a comunicação social, a lingüística, a literatura, a semiótica, a música, etc.
Naquele texto, breve mas instigante, Silva interroga-se, sinteticamente, sobre o que é o popular em época de comunicação de massa? (p. 24) Existirá ainda o popular, num tempo em que a indústria cultural tudo contamina ou recobre? (p. 26) Há folclore em gestação? (p. 28) Tudo o que é folclórico é popular? O popular é um vestígio de outras épocas ou uma construção permanente? (P. 29) Deve-se diferenciar o popular folclórico do popular de massa? (p. 29) A folkcomunicação ocupar-se-ia de um popular sob intervenção (p. 29).
É evidente que transcrevo estas questões não com o fito de respondê-las aqui, de imediato e, muito menos, in totum. Mas observe-se que estas não deixam de ser questões interessantes e que, de algum modo, têm pontuado parte das pesquisas e das formulações teóricas do e sobre o campo.
Comecemos com o conceito central. Constantemente citado, encontramos o conceito assim formulado:
Conjunto de procedimentos de intercâmbio de informações, idéias, opiniões e atitudes dos públicos marginalizados urbanos e rurais, através de agentes e de meios direta ou indiretamente ligados ao folclore6.
O reiterado conceito – até porque não se possuía até então publicado o texto original da tese de doutoramento do autor – nasce a partir de 1965, fixa-se em letra de forma em 1967 e expande-se, daí em diante, aprofundando-se e se enriquecendo. Um depoimento do autor explica a gênese desta preocupação.
Quando eu terminei o primeiro (livro sobre jornalismo), um fenômeno me apresentou curioso (sic): se o sujeito é analfabeto, como é que ele se informa? Se ele não vai ao cinema e se ele não tem televisão, como é que ele intercambia opinião?
Luiz Beltrão, deste modo, está pontuando duas questões básicas, aliás, mais tarde verbalizadas claramente por Roberto Benjamin:
Todas as sociedades tradicionais tem veículos de comunicação que preenchem as funções que as sociedades desenvolvidas atribuem aos meios de comunicação social. Quando os meios de comunicação social se afirmam nas sociedades em desenvolvimento, os canais populares atuam como intermediários entre as elites e as massas, retransmitindo as mensagens, depois de elaboradas.
(...) Felizmente, desde logo, Luiz Beltrão soube fugir desta tentação, a partir de sua própria experiência de vida, como já referiu em muitas ocasiões, e por isso pensou a folkcomunicação como uma comunicação de resistência, mais do que simplesmente alternativa ou de marginalizados. Soube entender que a marginalização não poderia ser apenas um conceito atribuído passivamente a estes amplos segmentos populares, porque eles não se valem das estratégias dos meios de comunicação social apenas porque não podem ascender a eles, mas deveria ser pensado enquanto conceito ativo, ou seja, estes segmentos não se sentem plenamente atendidos por estes meios de comunicação social ou, mesmo, negam-se a eles ou, enfim, e sobretudo, hoje em dia, valem-se deles apenas como uma fonte a mais para sua inspiração, criação, qualificação e ampliação de suas próprias estratégias.
(...) Como o conceito de folkcomunicação, contudo, só tem sentido a partir da situação dicotômica da existência de diferentes segmentos populacionais e suas respectivas culturas e modos de ser, é fundamental que os estudos que se desenvolvem no campo da folkcomunicação guardem cuidadosamente e sigam a lição do mestre para não se apropriar, apenas, daquele conhecimento e técnica, mas sim para estudá-lo e interpretá-lo em situação de empatia, a fim de compreender, valorizar a respeitar seus emissores:
Na folkcomunicação o que a gente procura é a mensagem real, atual, escondida naquela manifestação antiquada. É preciso analisar isso em profundidade, não ficar nas aparências.

6 - CONCLUSÃO
Diante de tudo o que foi exposto nesse trabalho de pesquisa, passamos a compreender o que Luiz Beltrão nos diz a respeito da folkcomunicação, que ela é transmitida, reinterpretada e renovada a medida em que o tempo passa, e se aprimora, adequando-se aos elementos e meios de divulgação e propagação da cultura, perdendo como de hábito alguns fragmentos ao ser passada através das gerações pelas pessoas que dominam esse saber, e cabe ao pesquisador encontrar não só esses fragmentos mas também a mensagem que está escondida, para compreender todo o processo cultural e folkcomunicacional.

7 - ANEXOS
GAMA, Durvalina Ribeiro. (depoimento. 25/nov/2004).
BARRETO, Paulo Henrique. Padre (depoimento. 26/nov/2004).
PAES, Silvia. (depoimento. 29/nov/2005).
SILVA, Manoel Pereira da. (depoimento. 22/jan/2005).
NEOTTI, Clarêncio. Frei (depoimento. 02/fev/2005).
PINTO, Cliveraldo. (depoimento. 11/fev/2005).
SOUZA, Maria Jocélia de. (depoimento. 12/fev/2005).
SOUZA, Paulo Roberto Soares de. (depoimento. 14/fev/2005).
SOUZA, Adriana do Nascimento Terra de. (depoimento. 15/fev/2005).
SOUZA, Antônio Carlos Carvalho de. (depoimento. 15/fev/2005).


DEPOIMENTOS EM ORDEM CRONOLÓGICA DE DATA

* Todos os depoimentos estão fielmente transcritos de acordo com o linguajar dos depoentes.


GAMA, Durvalina Ribeiro. (depoimento. 25/nov/2004).
Entrevista com Durvalina Ribeiro Gama, 80 anos. (25/nov/2004)
Residente à Rua Santo Antônio, 205.

Me conte um pouco sobre as festas de Santo Antônio.
As festas de Santo Antônio traz muita gente aqui, gente de fora mesmo, vem muita gente de fora aqui. Porque Santo Antônio, é um santo muito conhecido, muito popular, não é? A gente sabe que ele, ele é chamado Santo Antônio de Pádua e de Lisboa, não é? Porque ele nasceu em Portugal e morreu na Itália. Ele faz muitos milagres, não é? Muita coisa mesmo, muita gente, é bilhetinho, agora não, porque eu já não fico muito à frente, lá da igreja, mas quando eu ajudava muito na igreja, nos pés dele, no dia de Santo Antônio, ou qualquer dia que fosse limpar encontrava sempre muito bilhetinho, pedindo muita coisa de tudo, de tudo, porque ele é muito poderoso, Santo Antônio faz grandes coisas, mesmo pra mim tem feito grandes coisas, não foi casamento, porque isso eu não pedi, mas porque quando eu conheci meu marido eu tinha 17 anos, nós nos casamos com 21 e estamos casados há 59 anos. Dia 31 de julho do ano que vem nós vamos completar 60 anos de casado.

A Sra. Lembra alguma coisa sobre casamentos, no dia do santo ou um dia antes?
Isso eu não me lembro, não porque eu não ia assim a igreja todos os dias, de maneira que eu não sei, porque eu sempre fui assim, muito ocupada não ficava muito na igreja, não, ia quando tinha algum trabalho pra fazer lá, ou assim, alguma reunião porque quando eu era mocinha eu pertencia a Associação das Filhas de Maria, e depois de casada, também nunca deixei de ir a igreja, mas assim de haver casamento nesses dias, não me lembro, não!

Há um outro detalhe, as moças, às vezes, solteiras ou que passavam de uma determinada idade, tinham aquela crença de fazer uma promessa pra ele, ou pegar, ou pedir que conseguisse arrumar um marido, a sra. por acaso conheceu alguém que tivesse nesse desespero, que tivesse feito isso?
Não, não me lembro de ninguém, não! Pelo menos pessoas assim de minhas amizades, ninguém fez isso não.

Há quanto tempo a sra. trabalhou na igreja?
Eu deixei de trabalhar depois que eu me casei, não (...) mesmo depois que tive meus filhos, eu ainda trabalhei na igreja, que eu trabalhava, que vinha os mantimentos, no tempo de um padre que era Frei Beneditino. Vinha muito mantimento de fora. Eu nem me lembro mais da onde era, que vinha esses mantimentos. Até eu e outra senhora, uma amiga, trabalhava nós duas, pesando os mantimentos, botando nos saquinhos, pesando, porque uma vez por mês, distribuía pros pobres de Santo Antônio. Os pobres de Santo Antônio tem até hoje, né? A igreja ainda distribui mantimentos, uma vez por mês a Pia União de Santo Antônio, dá um bilhetinho a gente, pela manhã na missa pra daí a passar um domingo, no outro, que tem o dia marcado, é o terceiro domingo do mês, não me lembro bem se é o segundo ou o terceiro, a gente leva aquele mantimento, naquele bilhetinho assim, cada pessoa recebe um bilhetinho na saída da missa e, pedindo, (...) o que precisa ali, né?

Isso é em substituição ao chamado Pão de Santo Antônio?
Não. O Pão de Santo Antônio é pão mesmo. Que o padre benze na hora da missa. Tem a hora de benzer os pães, o padre benze e distribui com o pessoal, quando termina a missa. Toda terça-feira, não sei se ainda faz, toda terça-feira, porque eu, meu marido está doente, e eu já não saio assim mais sozinha, não. Ainda mais que as missas agora, mais é de noite, e eu não saio mais sozinha, ainda mais à noite. Aí eu quase não vou mais a igreja.

O que a senhora pode contar pra mim, ainda a respeito da igreja, que a senhora soubesse, algum milagre que a senhora viu, o quê que aconteceu de repente que pudesse contar assim que...
Ver eu não vi. (...) Mas aconteceu comigo, eu tinha uma filha, ela se casou e foi morar fora daqui, com poucos dias de casada, ela sofreu um desastre de carro, e quebrou a cabeça, ela trabalhava no Estado, lá em Niterói, trabalhava na Secretaria de Educação, aqui ela trabalhava de professora, mas foi para lá, foi trabalhar lá na Secretaria. E com esse desastre ela teve que parar de estudar, ela sofreu muitas operações na cabeça, nem sei porquê (?), então ela ficou muito doente, nós tivemos muito trabalho com ela, foi uma luta pra gente conseguir trazer para aqui, porque ela não queria vir embora lá do Rio, de Niterói. Foi uma luta pra ela vir embora, ela até se aposentou devido o desastre, ela estava no último ano da faculdade, ela teve que parar a faculdade porque não teve mais condição para estudar. Ela bem que tentou, mas não teve meios, não. Mas, ela então depois veio morar aqui conosco, e ela costumava muito sair e ela quando saía, nós até sofremos muito com ela, muito mesmo. Eu não me envergonho de falar isso porque, eu não estou inventando, foi coisa passada e a vizinhança toda aqui sabe. Ela passou a beber, se embriagar, ela saía, levava dois, três dias, não sabia onde andava, as vezes eu passava a noite sem dormir, esperando por ela, quantas vezes, pela madrugada, alguém batia palmas eu chamava logo meu marido e a gente vinha ver, era alguém dando notícia dela, aí a gente ia pra rua pra poder trazê-la pra casa. Mas levamos assim, 21 anos, nesse sofrimento, ela tinha tempo que melhorava, tinha tempo que piorava, mas agora eu vou contar o milagre de Santo Antônio.
Foi um sábado à tarde, ela pela manhã saiu pra fazer uma comprinha pra mim, e não voltava, nunca mais que voltava. Daí, até a minha irmã estava aqui em casa, minha irmão mais velha, que morava em Niterói, ela estava aqui, eu preciso (...) Dalila, eu vou sair pra ir ver a minha filha que se chamava Ana Maria. Eu saí com ela, eu saí com minha irmã, procurando por ela, procurando. Antes as lojas já estavam fechando, e ela, eu vendo que ela não... tão fechando, estavam fechadas, porque foi um dia de sábado, e comércio aqui dia de sábado fecha meio-dia, uma hora. Aí ela nunca mais que vinha, eu resolvi para procurá-la, né. Então, quando eu vinha por uma rua, pela rua 21, eu me lembro muito bem, que eu olhei, eu vi que ela vinha nessa mesma rua, mas bem na minha frente, aí eu corri, pra ver se alcançava, minha irmã ainda disse assim: “você parece uma mulher maluca, correndo pela rua, aqui na cidade”, eu disse: “ah, minha filha, por causa de uma filha a gente faz tudo”. Mas quando eu olhei ela já estava ainda muito distante ela dobrou da Rua 21, dobrou pra Rua Barão de Cotegipe, eu disse: “ah! É agora, eu vou perdê-la!”, aí eu gritei: “Santo Antônio! Santo Antônio, me ajuda Santo Antônio!”, falei mesmo: “me ajuda Santo Antônio!”. O senhor sabe, quando eu cheguei na esquina, ela dobrou, foi Santo Antônio que fez ela parar, aí eu falei com ela, ela veio, nós viemos embora para casa. Então eu disse:”isso foi um dos milagres que Santo Antônio me fez”.
Outra vez, as crianças quando eram pequenas, apanharam a chave da bicicleta do meu marido, aí a chave sumiu eu disse: “gente, o quê que eu vou fazer, quando ele chegar com essa chave da bicicleta!”, aí eu fiquei: “Meu Jesus, o quê que eu faço?”, aí eu disse: “Santo Antônio, me faça essa chave (...)”. O senhor sabe, eu havia passado uma roupinha das crianças, e posto no armário, quando eu abri a porta do armário, a chave estava em cima da roupinha que eu havia passado. Eu disse: “Não se entende isso, não”, eu disse: “só foi Santo Antônio, que fez isso”.
E a pouquinho, pouquinho tempo, aqui em casa até dão risada, porque (?), porque eu sou muito invocada com Santo Antônio, mas não sou não, porque ele tem me mostrado muita coisa. A poucos dias, eu tenho uma tesourinha de unha, e a tesourinha sumiu, pois eu procurei em todo lugar, no lugar até que eu costumo guardar, nada. Eu disse: “ah, o jeito vai ser...”, isso levou uns quinze dias, “o jeito vai ser eu comprar outra tesourinha”. Meu marido dizia: “trata de comprar outra tesoura porque não vai achar, não!”, pois o senhor sabe, na gaveta que eu costumo guardar, que eu já havia procurado, e ele me disse também, meu marido: “eu também já procurei nessa gaveta”. Quando eu abro a gaveta, a tesourinha estava assim (mostrando), quase tudo separado, assim na gaveta e a tesourinha ali no meio, como se alguém tivesse colocado ali. Eu disse: “só é obra de Santo Antônio, só é obra dele”. Porque na gaveta eu mexi, meu marido mexeu, eu não mexi uma vez só, não, mexi gavetinha muitas vezes, isso (...) na gaveta, a tesourinha, e quando eu trabalho de agulha é com ela que eu corto a linha, faço essas coisas assim, corto minhas unhas. Pois a tesourinha que eu abri a gaveta, estava dentro da gaveta. Isso é coisa que aconteceu comigo. Eu posso falar que foi milagre dele porque foi mesmo, foi mesmo. E quando eu estou em muito desespero, e todos nós temos, né? Ah! É a quem eu recorro, é a ele e a Nossa Senhora. (...)




BARRETO, Paulo Henrique. Padre (depoimento. 26/nov/2004).
Padre Paulo Henriques Barreto - 26/11/2004.
Igreja de Santo Antônio – Guarus – Campos – RJ

Santo Antônio, ele é tido como casamenteiro aqui na América Latina, principalmente, mas por quê essa crença dele ser o “Santo Casamenteiro”?
Bom, quero crer que o casamento ele é uma necessidade de todo povo brasileiro, e nós conhecemos assim essa noção de ser um pouco supersticioso, porque Santo Antônio na verdade ele não é casamenteiro, ele ajudou uma vez um casal que não tinha o dote pra ele se casar então ele ajudou essa noiva com o casamento e facilitou o casamento dela. Daí então se espalhou a notícia de que ele ajudava em casamento, era o casamento deles. E como nós sempre acompanhamos a parte mais simples e mais fácil também, então corremos dessa fama de Santo Antônio, porém a vida dele toda que tinha intimidade com Deus, ele é um santo grandioso porque ele se adequou aquilo que Deus queria fazer em sua vida, então o casamento foi só um ponto pequeno, existem milagres muito maiores (...) do que esse daí. Na verdade, isso não foi um milagre, foi uma ajuda de Santo Antônio.

Dentre os milagres dele qual aquele que é tido como o mais importante ou importasse mais?
Eu gosto muito em particular do “Milagre dos Peixes”, né? Aquele que ele estava falando lá e alguns hereges não queriam ouvir, Santo Antônio é reconhecido também como um grande pregador, então realmente quando ele falava as pessoas se convertiam, isso aí por inspiração do Espírito Santo, da intimidade que ele tinha com Deus, e certa vez em Rimini, ele estava falando que as pessoas não queriam ouvi-lo, os hereges e tudo mais. Ele disse: “já que vocês não querem me ouvir, eu falarei agora aos peixes”, e voltou-se para o rio e começou a pregar e vieram muitos peixes para ouvi-lo, e todos ficaram impressionados, aí prestaram atenção numa coisa dessa tão bonita.

O quê que faz as pessoas passarem a acreditar, ou terem essa crença em Santo Antônio, inclusive porque existe um fato para a Europa como aqui no Brasil, que é o dele ajudar as pessoas a acharem coisas (objetos)?
Bom, essa coisa também, tudo isso aí são fatos (?), pequenos fatos e pequenos (...) nem milagres. As pessoas que pedem ou querem pedir alguma coisa ao santo que perdiam e ele ajudou naquele momento, e daí outras pessoas foram fazendo e foi dando certo também, isso (?) que facilita a encontrar algo que estava perdido, então eu não tenho as datas agora e o local, (?) desse livro, mas ele certa vez, uma pessoa tinha perdido certa alguma coisa, pedia ao Santo Antônio e Santo Antônio ajudou porém o que eu sempre prego as pessoas é que as pessoas não corram atrás de outros santos pelos milagres feitos porque na verdade quem faz o milagre é o próprio Deus. Então corram atrás dos milagres de Deus, mas atrás do Deus dos milagres, porque hoje a gente fica atrás dos fatos e não vai a causa, a causa de tudo isso que Santo Antônio fez é o próprio Deus. Então o santo sem esse meio ele não é ninguém. O santo é encontro Deus, enquanto ele é caminho para se chegar a Deus, isso que a gente precisa (?) também.

Voltando a questão do casamento. Eu por acaso vi a muitos anos atrás o filme “A Marvada Carne”, em que a Fernanda Torres ela tinha uma relação com a imagem de Santo Antônio, e ela queria arrumar um casamento, arrumar um marido para ela. E acaba acontecendo por um fato até engraçado, mas em relação a isso, ao que o senhor já está vivendo aqui na paróquia, o senhor vê também mais da parte feminina essa adoração a ele, a essa solicitação de querer arrumar...
Ah! Sem dúvida, mais da parte das mulheres. Existem fatos engraçados, até jocosos mesmo, que as pessoas: “ah! Eu vou castigar o santo, para colocar o santo de costas aqui para a parede”, “de cara para a parede”, “vou enfiar o santo na bananeira, só vai sair daí só quando vir arrumar alguém”, e tudo mais. Então isso acho que são até momentos de desespero. De desespero que leva o pessoal a castigar uma imagem como se estivesse castigando um santo. Na verdade, não tem nada a ver, mas é as mulheres que não querem ficar para “titia”, e tudo mais, aí começam a ficar com 25 anos, 30, 40 anos e tudo mais, ficam desesperadas, aí apelam pra Santo Antônio, São Pedro, pra Deus, pra São José, pra quem tiver na frente.



De todos os santos somente Santo Antônio é o único que carrega o Menino Jesus?
Não, alguns santos carregam a imagem do Menino Jesus; Santo Antônio, ele carrega; São Benedito, também; o São Cristóvão, há vários santos. O Santo Antônio é porque certa vez ele estava rezando e um frei passou e viu ele conversando com o Menino Jesus, uma criança que estava nos braços dele, então essa visão foi o que hoje percebeu mas te vendo ele segurando esse Menino Jesus. Então realmente aconteceu dele ter isso, essa intimidade com Deus, dele estar conversando com o Menino Jesus, só um milagre também na vida do santo.

Há quanto tempo o senhor está aqui na paróquia?
Eu tenho aqui um ano, mas eu estava na paróquia Nossa Senhora do Rosário, no Parque Leopoldina.

(...) talvez de um tempo para cá, não tenham ocorrido mais casamentos no dia do santo, o senhor sabe alguma coisa a respeito disso? Ou o por quê não haver mais casamentos?
Bom, eu estou muito recente aqui, não alcancei esta época, mas eu quero crer que pela movimentação toda de festa, de tudo mais, uma Trezena movimentada como é o caso aqui, então eu não acho muito viável haver casamento no dia do Padroeiro, porque já acontece a festa, procissão, missa, muita gente, pessoas, e casamento sempre ocupa tempo, aquelas coisas todas, então eu acho que atrapalharia um pouco. Acho que é mais um caso prático, não é nem um outro motivo.

Que outro fato o senhor também gostaria de acrescentar em relação a Santo Antônio e essa crença dele, crença das pessoas em cima desse fato, o casamento?
Eu quero crer que, Santo Antônio, o casamento, eu acho que as pessoas precisam valoriza-lo também, a questão do casamento, porque eu acho que o casamento hoje, ficou muito a mercê sim, de nós (?) período. As pessoas se esquecem que casamento é você ser feliz, mas fazer a outra pessoa feliz também. As pessoas às vezes até correm atrás do santo, de um milagre, de um casamento feliz, como se isso dependesse apenas de Deus e da intercessão de Santo Antônio, mas o casamento depende 100% de Deus e 100% deles também, de cada um de nós em particular. Que as pessoas hoje não entram com esse 100%, não (?), você me dizer quando alguma coisa está assim, e se esquecem que casamento é doação total, sem reservas.

E o que o senhor acha sobre essa relação que as mulheres tem com Santo Antônio, esse desespero de querer, conseguir alcançar esse, essa benção, de conseguir arrumar um marido?
Não, eu acho importante até mesmo recorrer a Deus nos casos assim mais difíceis da vida, e sobretudo pedir a Santo Antônio já que ele tem também essa fama, acho que não custa você pedir a intercessão de Santo Antônio, de Nossa Senhora, qualquer outro santo, mas lembrando sempre que é Deus é quem nos faz esse milagre, essa vontade, e algo que vale a pena, acho que como diz Fernando Pessoa: “tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”. Pela grandeza que é a alma, Deus ajuda, sempre com toda certeza, e quem tem essa devoção deve permanecer fiel a Deus e deve levar adiante. Não se esqueça que quem dá é sempre Deus, o santo intercede.

As pessoas às vezes, quando não conseguem realizar ou alcançar uma graça, uma ajuda de uma doença, normalmente eles pagam com ex-votos, ou ex-votos de cabeças, pernas, braços, etc. Aqui na Igreja de Santo Antônio, há também esses fatos? Esses pagamentos de ex-votos?
Com certeza esse fato é verídico, há sim em Aparecida do Norte, que tem uma sala lá de ex-votos, aqui nós não temos, mas as pessoas de vez em quando chegam e deixa um rim, uma cabeça, uma perna e é costume também deixar, embora a gente saiba que Deus ele quer nosso coração, e aquilo é só uma demonstração talvez do local físico onde aconteceu a intervenção de Deus, então é mais ou menos comum isso acontecer aqui, nós não temos.






PAES, Silvia. (depoimento. 29/nov/2005).
Silvia Paes, 29/11/2004
Historiadora do Museu de Campos – Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima.

Eu gostaria que você me falasse tudo a respeito da construção da Igreja de Santo Antônio.
A Igreja de Santo Antônio de Guarus tem muito pouca coisa escrita sobre ela, mas a gente consegue pescar uns pedacinhos de ... pra juntar o quebra-cabeça, e segundo consta a Igreja de Santo Antônio ela resulta da demolição, não é bem demolição, da destruição com o tempo, não foi uma destruição proposital da última capelinha que havia ainda na Aldeia, dos índios goitacá em Guarus, próximo no local onde hoje é aquele bairro da Aldeia, era ali uma capelinha, e essa capela caiu numa chuva. Era um capela muito simples e os moradores, o que restou da antiga Aldeia, mais os moradores próximos pediram à Câmara Municipal que fosse construído uma nova igreja. E essa igreja demorou muito a sair. Os barões que tinham terras em Guarus, entre eles o Barão de Muriaé por exemplo, doou a porta da igreja, outros doaram tijolos, telhas, emprestaram escravos para construir a igreja, e a igrejinha de Santo Antônio de Guarus então foi erguida dessa forma. E a antiga capela que abrigou os santos e o Santíssimo durante a construção da igreja, ela ainda existe, na Nazário Pereira Gomes, é um capela muito pequena, muito singela, mas que tem um significado muito grande para os moradores daquela região. Ela inclusive está sendo não restaurada, porque ela também não tem assim um estilo arquitetônico relevante, mas ela está sendo recuperada goteira, telha, essas coisas atualmente, pela comunidade.

Você me disse que os negros é que construíram essa igreja atual, foi isso?
Olha só, o momento era de escravidão, é claro que não só apenas negros, mas também porque uma forma dos proprietários, dos grandes proprietários de terra escrava colaborarem com as coisas públicas era cedendo a mão de obra de seus escravos, mas entre eles sem dúvida que deveria ter havido brancos pobres, que tinham também mestiços, dos índios goitacás, descendentes dos índios goitacá, ainda na construção da igreja, mas nós não temos, eu não posso afirmar isso a você, quanto era de cada um porque não existe documento sobre isso.

Você falou a respeito da antiga capela na Nazário Pereira Gomes, ela encontra-se aberta, a pessoa pode visitar?
Pode, ela se encontra aberta, é uma capela mas é muito pequena, não tem assim, não tem pintura, não tem um altar, barroco, como seria de se pensar, não, ela é uma capela muito simples. O que ela reúne é a boa-vontade da comunidade, é o elemento agregador. Tem uma área muito boa, mas ela não tem assim uma arquitetura muito relevante, não, mas de qualquer forma ela é importante porque é um passo para a igreja de Santo Antônio.

(...) Alguma coisa escrita lá, você viu a documentação de lá, né?
- Não, ainda não.

(...) Muito interessante a documentação, lá. Tem um professor da Uerj, que pesquisou lá, e ele disse que “os documentos são muito interessantes”, porque tem, ele comparou com os documentos da igreja de Itaocara e São Fidélis, então ele pôde perceber é a busca dele, o trabalho dele é em cima de índios, então ele pôde perceber a sazonalidade da mão de obra indígena de Guarus para São Fidélis, de São Fidélis a Itaocara, e volta para Guarus. Em momentos de safra, de cana, de construção, de oferta de trabalho, mesmo. Muito interessante, que ele achou esses documentos, que ele pôde comparar...

Há um outro detalhe também, existe um livro que comenta, inclusive faz referência aos índios Guarulhos, isso mesmo? Quer dizer que havia uma pequena comunidade de índios Guarulhos?
É que veja bem, quando a gente fala índios goitacá, a gente está se referindo a nação goitacá, que era a sua totalidade, ou seja, a totalidade das tribos reunidas em uma nação, que era a nação goitacá, um território. Esse território era do Rio Macaé ao Rio Itabapoana, do mar a Serra do Mar, esse era o território da nação goitacá, que era uma cultura diferente do restante porque o goitacá era cultura Ge, e os outros vizinhos era cultura Tupi, os Guaranis estão lá no sul, que mais tarde, eles, os guaranis, vão subindo o litoral e se encontram com os Tupis, daí a cultura tupi-guarani, é a miscigenação dessas duas. E na nação goitacá, nós tínhamos várias tribos, as tribos: Guarulhos; tribos Coroado, que uns dizem que são os mesmos Guarulhos, mas o guarulho aldeado, que aí ele vai se chamar Coroado, porque tinham o cabelo cortado como os franciscanos. Como padre franciscano que deixava o cabelo por cima e raspava mais para a parte de baixo, como se fosse a coroa, e que esses índios Guarulhos seriam os mesmos Coroados de São Fidélis, há controvérsias aí, que a gente não tem nenhum documento dizendo que era o mesmo. Nós tínhamos os índios Saruçús ou Saruels, próximo a Lagoa de Cima, que era aldeia deles; uma tribo Goitacá; Guarulhos ou Coroados; Saruçús ou Saruels; e, Guanhães, os Guanhães também. Tudo isso são tribos da nação Goitacá. Isso que como a gente fala, índio goitacá, parece que tem um, não, mas tem Guarulhos, tem os Saruçus lá de ..., os Saruçús e Saruels eram lá de Conceição de Macabú, também porque eles tinham um território muito amplo e trocavam de território, eram semi-nômades, e nós vamos encontrar o índio goitacá até no alto da Serra do Mar, em Guaçui, em... beirando Minas, o Espírito Santo, um pouco, porque esses índios, houve um momento em que eles ultrapassaram o território deles, atravessaram pro lado de lá do Itabapoana, quando o Aimoré permitia, então a gente de vez em quando ouve falar: “ah, mas ta lá em Guaçui, e a gente, o índio goitacá em Guaçui, tem forma, tem jeito de ter”, porque eles andavam muito, o território ora muito grande.

Quer dizer, naquela época não existia ainda a divisão por estados.
Exato, mas...

Eles se dividiam por rios...
É exatamente, mas nem se tivesse divisão por estados, o índio não obedece, é como cultura, a cultura não tem território delimitado. Não há onde termina ou aonde acabe uma cultura, um traço cultural. E os índios eles viviam em briga com os Aimorés, por causa disso, cruzavam o território do outro era o maior... Tanto que as aldeias de Pero de Góis e Gil de Góis foram destruídas em função também dessa briga na fronteira com os Aimorés, que era uma outra cultura, então o fundamento das brigas também além da questão territorial, era uma questão cultural, porque eram dois grupos de culturas diferentes. Hoje a gente tem os Xavantes, os Funiô, ainda com esse traço da cultura Ge, que é a raiz do índio goitacá.


SILVA, Manoel Pereira da. (depoimento. 22/jan/2005).
Manoel Pereira da Silva – 22/jan/2005
Fábrica de Imagens - Atelier Nossa Senhora da Vitória – Codin - Campos

Nome próprio?
Manoel Pereira da Silva

Há quanto tempo o senhor tem essa fábrica aqui?
Uns cinco anos

O senhor estava me dizendo, todas as imagens são feitas de...
Resina

O que mais o senhor poderia me mostrar, sobre a fábrica, contar sobre ela?
Bem, tem que contar o seguinte, no início a gente tinha uma pequena fábrica, fundo de quintal, que era mais gesso, aí não dava pra fazer um trabalho melhor, com bom acabamento, aí nós partimos no meio de resina, que a resina dá um acabamento muito mais firme, muito real. Aí começamos a trabalhar e a fábrica cresceu por causa do acabamento, hoje nós temos no mercado só um concorrente forte, que fica em São Paulo então o acabamento abriu portas pra exportação, por causa do acabamento das imagens. Aí viemos aqui pra Codin que é um espaço maior, começamos essa fábrica aqui. (...) Aqui nós começamos a trabalhar com imagem pequena, depois começamos a aumentar o tamanho das imagens e aí tamos no ponto que tá agora, estamos exportando, tem uma fábrica, pedido saindo (...) e nós temos por volta de 80 itens diferentes de imagem.

Há época propícia? No caso eu estou fazendo um trabalho sobre Santo Antônio, que a festa é em junho, justamente perto dessa época começa a sair mais imagens dele?
Veja bem, aqui nós temos várias imagens e não fizemos ainda uma propaganda sobre a imagem que fabrica aqui, é certo que tem mais pedidos de Santo Antônio mas como estamos no meio de exportação, e não temos uma venda muito grande pro Brasil ainda então as imagens não tem muito pedido pro Brasil caso exatamente por causa da propaganda, e a fábrica aqui como começou a crescer a de exportação, as pessoas não conhecem ainda, nós temos muito Santo Antônio inclusive as imagens estão um pouco paradas, temos no estoque e não sai por causa da propaganda, mas é uma imagem que tem muita devoção e as pessoas que já se descobrem perguntam logo se tem Santo Antônio.

E Santo Amaro?
Santo Amaro, também não fabricamos ainda, que aqui as imagens, como já havia dito, feita em resina, e as imagens que a gente acha por aqui que possa tirar uma forma, fazer o acabamento não é muito bom, por causa disso, precisa ser restaurado e dar um acabamento melhor, e normalmente vai atrás de imagens com boa qualidade, as vezes trás de fora e aqui não tem ainda uma imagem adequada pra tirar fôrma, não tiramos ainda.

O senhor está dizendo que a maioria são pra exportação. Qual delas é a mais pedida?
A mais pedida é a imagem de Fátima, temos um convênio com uma associação nos Estados Unidos eles pedem muito imagem de Fátima (...) nós temos imagem de Fátima de 10 centímetros até um metro e vinte, todas elas saem.

O senhor poderia me contar como que é feita a fabricação delas?
A fabricação da imagem em resina é complicada, porque ela é primeiro tem que tirar uma fôrma em borracha, depois dessa fôrma é fundida em resina, tem um acabamento e a pintura, isso é o básico, mas pra isso precisa ter uma restauração na imagem, faz uma contra-fôrma de gesso, enche o molde, todo um trabalho que até pra falar assim eu me perco, eu tenho que seguir todo um, como se fosse um programa de fabricação.

Pode contar...
Que curioso que, eu tinha uma devoção de falar tanto (...) pessoa perde alguma coisa, reza para Santo Antônio, aí eu perdi um objeto que não me lembro agora e rezei agradecendo, aí antes de perder eu tenho o costume de fazer isso, além de agradecer eu rezo uma coisa maior, varia mais, assim fora a promessa. Aí uma vez um colega meu, ele perdeu um objeto que era uma agulha, uma pequena agulha que ele fez um relógio dele de água. Ele pegou aquela agulha que segurava um ponteirinho que marcava o hidrômetro, e essa agulha ele demorou pra fazer que ela tinha uma medida certa, pra fazer dava uma dor de cabeça. Ele tinha muito cuidado com essa agulha, ele perdeu a agulha falei: “e agora rapaz, vou ter a maior aporrinhação pra achar essa agulha de volta”. Falei: “é Santo Antônio, que você acha”, mas falei bricando até, “mas como? Eu perdi essa agulha” tinha uma plantação de amendoim selvagem na chácara dele, tem as folhas pequenas que fosse pra matar cimorro (?), “caiu ali dentro como é que eu acho?”, falei: “mas aí tá o milagre, vai ali reza e procura”, aí ele levou na brincadeira, “não vou rezar, vou perder meu tempo, não (...) vou achar”, eu fiz de brincadeira com ele. Rezei uma Ave-Maria, abri a folha de amendoim selvagem e achei uma agulha perdida no meio do amendoim selvagem. Ele falou: “ó, nunca mais eu vou brincar com isso de devoção, de achar ou perder qualquer negócio de santo”, que isso pra mim foi milagre, achar isso aí.

Qual a diferença da arte barroca?
Ó, o barroco é uma arte em barro, e marca bem uma época, certo? Normalmente as imagens barrocas tem por volta de 150 a 300 anos e, ela é feita em barro e a pintura normalmente a pintura é enriquecida, ela feita em ouro e com detalhes da pintura que vem sobre o ouro.

Quer dizer a pintura vem em cima do ouro?
Isso, e normalmente são imagens em madeira esculpida em madeira, com estilo próprio da época.

E a outra fôrma?
Bem aí tem imagens modernas, por exemplo, a imagem de Fátima, não é uma imagem barroca, ela é uma imagem que surgiu em 1917, é uma devoção contemporânea, aí normalmente é esculpida em madeira também, mas normalmente ela é feita em gesso, é feita em resina e nunca chega a altura de uma imagem barroca, por ser uma imagem antiga e ser uma devoção da época muito mais, vamos dizer, muito mais acabada.




NEOTTI, Clarêncio. Frei (depoimento. 02/fev/2005).
Convento de Santo Antônio – (2/fev/2005) – Frei Clarêncio Neotti
Largo da Carioca – Rio de Janeiro – RJ

Frei Clarêncio me explica um pouco a respeito daquele quadro em que um homem está pesando um papel em troca de moedas de ouro, para aquela jovem que queria se casar.
Olha, todos os milagres de Santo Antônio são problemáticos porque não tem uma documentação histórica. Nós sabemos que Santo Antônio defendeu muito os interesses e a dignidade do povo de seu tempo, particularmente em seus sermões durante o tempo das pregações que ele fazia nas vilas, catedrais, centros de cidades, nas praças públicas, e ocorreu que o chefe regional da zona paduana, baixou um decreto exigindo que só podia casar a mulher que trouxesse o dote. Dote é uma certa quantia em moedas, ou em ouro, ou em animais, que o pretendente, a pretendente devia levar para os pais do rapaz. Para com isto se excluíam todas as moças pobres, só as ricas que podiam casar, pessoas ricas tinham o dote. Isso fazia uma diferença muito grande, entre rico e pobre, uma discriminação insuportável, no dever, na dignidade de cada pessoa humana. Santo Antônio reagiu muito forte e foi ao chefe regional, o “Duca”, como eles chamavam, foi ao chefe regional e com muita insistência exigiu o cancelamento desse decreto, e conseguiu. Apesar deste homem, ser um homem famosamente violento, e famosamente interesseiro, nas finanças locais ele foi obrigado, forçado a cancelar esse decreto e a partir de então as moças passaram a invocar Santo Antônio para encontrar um bom partido de casamento, isto é um fato que se conta na vida de Santo Antônio.

Sobre a imagem que está na frente do Convento.
Essa imagem que hoje o povo chama de Santo Antônio do Relento, na verdade já esteve, presidindo o altar-mor do nosso santuário, e é imagem histórica que acompanhou o Exército brasileiro na derrota aos franceses quando eles invadiram a Baía da Guanabara, e em compensação ele foi feito membro do Exército brasileiro e passou a receber soldo como um herói. Esse soldo foi pago a Santo Antônio até 1911, quando uma portaria do ministro, portaria que nunca foi encontrada apesar de todas as pesquisas, cancelou o soldo dele. Mas é uma imagem histórica nesse sentido e talvez a imagem mais antiga que nós temos no Rio de Janeiro conservada e ainda em veneração.


PINTO, Cliveraldo. (depoimento. 11/fev/2005).
Cliveraldo Pinto – 11/fev/2005
Livraria Diocesana – Igreja Nossa Senhora da Boa Morte

Qual é o seu nome?
Meu nome é Cliveraldo Pinto.

Me diz uma coisa, você está me falando a respeito das imagens, você tem poucas hoje, mas por quê?
É porque aproximando mais a época de junho, porque é a época do festejo do Santo Antônio, né? Então é época de muita procissão, de muitas celebrações especiais e aí as pessoas vem até a loja a procura desse material.

Então quer dizer hoje (11/fev/2005) você tem muito poucas unidades. E só nessa época é que você...
É correto, aproximando a época, o mês de junho, por ser o mês dele, dos festejos, a gente aí cm certeza providencia mais material como terço, medalhas, santinhos com a oração, imagens de vários tipos, tamanhos.

E você adquire esses produtos, o quê em alguma indústria brasileira, tem algum vendedor?
Com certeza, isso vem de Santa Catarina, isso vem de São Paulo, Rio de Janeiro.

E você já tem esses vendedores, ou representantes...
A gente já tem esse contato especial.


SOUZA, Maria Jocélia de. (depoimento. 12/fev/2005).
Maria Jocélia de Souza (Maria Rezadeira) - 70 anos – 12/fev/2005
Rezadeira – Mãe de Santo – Mineiros – Campos dos Goytacazes -

Dona Maria, a senhora é rezadeira, já há quanto tempo?
Ah! Meu filho, eu sou assim nascida e bedença, mas eu vivia assim pelos meus pais e em casa assim de rezar, meus pais, não. Meu pai nunca acreditou em negócio de espiritismo. A minha mãe, ia na casa assim das pessoas, assim pessoa que rezava. Pessoas espíritas, quando eu chegava que tinha idade de uns 8 anos pra 10 anos. Quando eu chegava eu, as proteção eu via assim nos pés. “Eh, menina aconteceu isso, isso e com ocê?”, eu dizia “não”, “fala negrinha!”, aí eu dizia “não, não (...) não aconteceu”. “Vou quebrar perna sua, se não falar a verdade”. Eu falava: “não posso falar a verdade, porque isso não houve, isso não posso, porque não houve”. Aí eu fiquei com aquele complequi (complexo), de espiritismo. Aí eu ia assim nas casas, assim de espiritismo, ia na casa de espiritismo pra rezar, aí eu chegava na casa de espiritismo aí a dona “ah, minha filha, que você precisa desenvolver, coisa e tal”, eu falei assim, eu cá na minha parada, aí eu dizia assim: “eu, Deus a guie! Receber proteção pra pegar mentira pros outros?”, aí eu disse: “aí, isso nunca vai acontecer, de exercer espiritismo, de exercer pra poder”, eu mas pra escolher, tem que ser o certo, não o errado, né? Eu tinha aqui na minha memória, aí eu disse assim: “meu Deus, o que que acontece”, mas depois foi passando o tempo, eu fui crescendo, casei e muitos programas, e triste mesmo, dormia mal a noite, eu falei assim “meu Deus do Céu! O jeito que eu tenho é mesmo seguir”, eu disse: “o jeito que eu tenho mesmo é seguir isso que eu disse, tenho que seguir”. Aí eu disse assim: “Meu Deus! Se é o meu caso se eu tenho que seguir isso, então eu vou seguir até o dia da minha morte, até o dia da minha partida, que nós, que todo mundo aqui, ninguém, todo mundo aqui é uma passagem. Aí eu disse assim: “então até o dia que Deus fez pra minha partida, eu vou seguir isso, esse espiritismo”. E estou seguindo, comecei com a base de 37 anos e já vou fazer 70, e tou nessa vidinha, pra chegar um, com (?), uma perna é um braço, é não sei o quê. Graças a Jesus, graças a Deus que Ele tá poderoso, que é maior, entra no meu terreiro e Deus ajuda, que quando sai, sai melhor. Aí então isso é uma graça de Deus, que eu segui.

A respeito do terreiro, a senhora construiu desde essa época?
Não, eu trabalhava no terreiro da minha chefe, que é morta. Eu, quer dizer, que eu comecei do terreiro mesmo, agora duns trinta, vinte e oito anos que eu comecei mesmo por minha conta.

Agora, uma coisa, a senhora faz essas rezas todas, a senhora aprendeu com alguém, alguém te ensinou?
Não, aprendi com ninguém, aprendi comigo mesmo. Com a minha natureza, fui na casa da chefe só pra ela, só dar uma, assim uma coisa na minha vida né, porque se eu vivia sofrendo, que dizia que meu problema, sofrimento todo era esse. Aí eu fui só pra ela, aí ela depois disse: “você pode seguir sua vida”.

A senhora então trabalhou pra uma pessoa, tinha uma chefe, isso?
Era a chefe do terreiro que já partiu. Ela partiu com noventa e nove anos. Ia fazer 100 anos. Faz 3 meses que ela entrou nessa, partiu.

A 3 meses atrás?
A 3 meses e pouco ela partiu.

A senhora lembra o nome dela?
Marinete

Da onde?
Do IPS, teve muitas pessoas, mãe dela, mas a mesma que ela contava e me deu liberdade, fui eu.

Bom, agora a respeito de uma coisa, o meu trabalho é sobre Santo Antônio, e logicamente tem pessoas que aproveitam, procuram de uma maneira e as vezes não encontram, acabam pedindo uma pessoa, uma ajudinha pra arrumar um marido, ou uma esposa. Aqui já aconteceu de vir muitas pessoas, assim?
Demais, muita gente.

A senhora conhece alguma simpatia que pudesse falar pra gente?
A gente sabe, alguma, quer dizer, pra (?) as proteção ensina alguma, né? Mas eu, ensino alguma proteção, alguma coisa, acender as segunda-feira acender uma vela assim, do lado de fora no cantinho, pras Santas Almas benditas, e fazer o pedido que quer, as Santas Almas Benditas, e depois diante disso, a pessoa fazer oração pra Santo Antônio poder conseguir, Santo Antônio Pequenininho, pra dar o que a pessoa quer, iluminar os caminhos e ajudar a pessoa.

A senhora tem alguma imagem de Santo Antônio?
Tem uma porção de santos, tem Santo Antônio Pequenininho, tem Santo Antônio, tem uma porção.

Agora, dessas pessoas que já vieram aqui pra pedir essa ajuda pra arrumar um marido, a senhora sabe de alguma que já conseguiu?
A tem uma porção, tem milhões.

Tem alguma vizinha?
Vizinha, não. Vizinha aqui, não, mas tem uma porção de gente que já conseguiu. Que vem gente de toda parte de longe. A tem na casa em Mineiros, tem uma Dona Maria, Rezadeira, que reza muito bem, aí o povo vem chegando, vem, e consegue encontrar o que quer.

Agora, a senhora tem filhos?
Muito. Tenho dois pastor.

Todos os dois são pastores? Então quer dizer nenhum deles, seguiu...
Não, tinha um que trabalhava comigo, esse é um que é pastor, trabalhava comigo até depois dos colégios, que é de outra religião, aí deu na cabeça e seguiu, seguiu e deu certo, segue cada um a sua vida. Tem um que mora em Guarus, também, que também exerce na Igreja Universal.

Dona Maria, no Brasil, há duas vertentes, uma do candomblé e outra da umbanda. A senhora segue que linha?
A minha é umbanda, meu filho. Eu não gosto de candomblé, não. Não gosto de candomblé, porque candomblé é só pra maldar, né? Porque você não sabe, só trabalha com matança de bicho, é carneiro, é bode preto, é tudo né? E essa linha, não que é muito maldosa, não sigo essa linha. E eu gosto de trabalhar na minha linha de umbanda, que a linha de umbanda é uma linha bonita, é descarregar, limpar as pessoas, de tirar tudo quanto, né... A gente vai limpando as pessoas, pras pessoas caminhar, que a gente precisa, gosto de fazer o bem, quer dizer que a minha linha é umbanda, entendeu?


SOUZA, Paulo Roberto Soares de. (depoimento. 14/fev/2005).
Paulo Roberto Soares de Souza – 14/fev/2005
Loja das Ervas – Mercado Municipal – Box 22

Senhor Paulo, que simpatia o senhor conhece pras pessoas que tem fé e devoção em Santo Antônio?
Bom, primeiro lugar, Santo Antônio é um santo católico, né? E muitas pessoas usam também da umbanda, porque a umbanda não foi feita pra fazer macumba nem prejudicar ninguém, é uma religião como uma qualquer, mas já que eles usam desse lado da simpatia, então nós também temos que nos atualizar, que nós tamos no ramo e nós vamos aprender muitas simpatias sobre Santo Antônio.
Por exemplo: a pessoa pega um Santo Antônio médio, né? Quem tem o furo embaixo, que eles falam, que tem uma abertura embaixo, uma cavidade, faz o pedido no papel, o que a pessoa quer, quer conquistar um amor, e coloca ali e pega uma fita verde, né? E amarra e dá três nós, e faz o pedido que a pessoa quer, aí guarda aquele Santo Antônio como se fosse um amuleto para ele se ela conseguir, se ela conseguir, ou ele conseguir. A pessoa que fez aquele trabalho, não pode saber nunca da existência daquele Santo Antônio guardado ali, entendeu? Para que possa prolongar mais o amor, não terminar aquela paixão deles, né?
E de outro lado tem outros tipos de simpatia que faz, por exemplo: pegar um pirezinho virgem, botar um Santo Antônio em pé ali no pirezinho virgem, entendeu? E acender uma vela durante sete dias, todo dia acender uma, e fazer um pedido em oração, certo? Para que Santo Antônio possa trazer aquela pessoa que ele gosta.
Então tem vários tipos de simpatia, que se a gente for ficar falando aqui, vai falar quase o dia todo, porque existem muitos tipos, cada um conhece um tipo, eu conheço um, outro freguês conhece outro, dono de fora conhece outro, então a gente também não conhece todos, mas conhece alguns, então é isso que eu tenho a informar.

A respeito das imagens, hoje o senhor não tem, eu reparei que só tem um pequeno quadro com a imagem dele, mas quando chega a época o senhor adquire...
É chega na época os vendedores aparecem com uns três, dois meses antes, faz o pedido, a gente vai faz a encomenda que é para a gente também não ficar assim investindo muito num produto para ficar parado, praticamente ele sai mais é na sua época, né? Então a gente fazendo o pedido na época a gente sabe mais ou menos quanto vai vender, quanto vai sair, pra poder a gente não investir muito, não gastar muito dinheiro e ao passo que se eu for comprar de todos os santos que existe, nós temos que ter uma loja muito grande, então a gente tem que ter as coisas controladas, não é?

Agora a respeito dos ex-votos, o senhor tem um bom estoque aqui, de onde vem esses produtos?
Não entendi
21.

As cabeças, as pernas, os braços?
Ah! Os milagres de cera é adquirido de uma firma que faz vela, no caso que são as pessoas católica que quando tem uma enfermidade, seja na cabeça, seja no braço, seja mulher no útero, seja o homem aonde for na próstata, ou seja na perna, tá com enfermidade faz aquele pedido ao santo de sua devoção, então ele conseguindo aquele pedido, ele vai, entendeu? Lá naquela igreja, naquele santo que ele fez o pedido e coloca aquela pasta naquela área que ele foi beneficiado pelo aquele santo, né?


SOUZA, Adriana do Nascimento Terra de. (depoimento. 15/fev/2005).
Adriana do Nascimento Terra de Souza – 15/fev/2005
Guardiã da Capela de Santa Maria – Rua Nazário Pereira Gomes
Bairro Fundão – Campos dos Goytacazes

Qual o nome da senhora?
Adriana do Nascimento Terra de Souza

Aqui é a capela...
Santa Maria

Me conta um pouco a história de como a senhora conseguiu encontrar o seu marido.
É até uma história engraçada porque saí do serviço, trabalhava na época, combinou eu e uma amiga de irmos na festa, aí como a tradição diz que ele é o Santo “casamenteiro”, né? Aí fomos nós atrás de um namorado, não é nem de casamento, de namorado, principalmente ela que estava mais velha que eu, aí fomos. Quando chegamos lá, minha irmã estava pequena, fui eu com minha irmã e tudo, e nem encontrei com essa amiga minha lá, não. De fato, nem encontrei com ela, fiquei eu e minha irmã sozinha, mas eu não sou muito de ficar em tumulto, nem nada. Falei: “ó, vamos embora, que Santo Antônio, não está com nada nas calcinhas, deixa eu ir embora”, chego lá, nisso meu marido, nisso já estava já flertando já com meu marido. Meu marido já morava em bairro mesmo, de perto da comunidade, mas não tava nada oficializado. Ele que vinha pra festa, encontrou comigo, e falou assim: “você vai embora?”, eu falei: “vou, já estou indo embora”, ele “ah! Então não vai não, espera que eu te levo pra casa, eu só vou entrar na igreja, e vou voltar”, nisso eu esperei ele, já tinha ido na igreja, primeiro do que ele, já tava cá fora, ele falou assim: “então vai lá, que eu te espero aqui fora”, aí nisso já foi, que ele já tava, ficamos conversando e tal, e nisso conversa vai, conversa vem, ele foi pra casa, ele que foi contando a história, que ele já estava querendo me namorar e tal, eu falei assim: “é, fui duvidar do santo”. Hoje em dia já estou casada com ele mesmo, já tem 18 anos que nós somos casados, graças a Deus, tenho um casal de filhos com ele, os meus filhos foram batizados, ali, entendeu? E fora outras graças, eu fui curada de um câncer, também, tive um câncer na... de pele. Eu me refugiei muito lá na igreja de Santo Antônio, tive assim pela intercessão dele, né? A gente é fiel, sabe que o santo não faz milagre, quem faz é Deus, mas ele que intercedeu muito a Jesus por mim, pelo meu casamento sempre peço, tenho pedido por ele, porque eu falo “ó Jesus, Santo Antônio já casei aí na sua igreja, então agora o senhor auxilie, né? Alguma coisinha que houver, né?”. Aí graças a Deus, estamos juntos pelo altar do Senhor, que fomos lá fazer os nossos votos de casamento, estamos casados até hoje, graças a Deus.

Você casou o quê, perto da época dele?
Não, ele foi em junho, nós casamos em setembro, foi até rápido, né? Eu tinha... namoramos, não. Começamos a namorar na festa de Santo Antônio, namorar mesmo, na festa de Santo Antônio, e oficializar e ficamos um ano namorando, em se conhecendo, depois de um ano e três meses, se casamos. Aí fiquei mais dois anos sem ter filhos nem nada, depois que eu tive minha filha, né? E ele também foi muito... meu marido também por incrível que pareça, ele era devoto de Santo Antônio, ele tem até um retratinho, uma imagenzinha em retrato, em quadro pequeno, de Santo Antônio, que a mãe dele é muito devota de Santo Antônio, ele também foi, alcançou graça também por Santo Antônio, que ele tinha problema de febre, de convulsão, e tudo, então a mãe sempre tinha aquela fé em Santo Antônio, né? E eu, por já ser da comunidade, acho que juntou o útil ao agradável, né? Porque graças a Deus, sou uma pessoa de igreja também, hoje sou ministra da eucaristia. Labuto mesmo, coisa de igreja, então a gente vai, Deus vai mostrando, né? As pessoas que te que ficar com quem, e vou levando, né? Graças a Deus.








SOUZA, Antônio Carlos Carvalho de. (depoimento. 15/fev/2005).
Antônio Carlos Carvalho de Souza – 15/fev/2005
Marido de Adriana do Nascimento Terra de Souza
Rua Nazário Pereira Gomes - Bairro Fundão – Campos dos Goytacazes

Antônio, por quê seu nome é Antônio?
Meu nome seria Carlos Irineu, mas pela minha mãe na época da gravidez ter problema de saúde, ela fez uma promessa a Santo Antônio se tudo corresse bem com ela, e eu nascesse bem, meu nome seria, passaria a ser Antônio Carlos, Antônio, né? Em homenagem a Santo Antônio pelo pedido que ela fez, e graças a Deus correu tudo bem, hoje eu me chamo Antônio Carlos pro essa homenagem a Santo Antônio.




















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www.cinemedioevo.net/ Film/cine_elenco_filmogr... – Detalhes sobre os filmes que foram produzidos falando sobre Santo Antônio.
www.cinemazip.it/homeVideo. asp?homeVideoID=28 - Site com a sinopse do filme italiano “LA LINGUA DEL SANTO”.
http://fantastico.globo.com/Fantastico/0,19125,TFA0-2142-5509-154914,00.HTML
www.google.com.br - arquivos e imagens – Temas pesquisados: Santo Antônio; Lisboa + Santo Antônio; Padova + Santo Antônio; escravos; negros.
www.lojasamericanas.com.br - Temas pesquisados: CD e DVD Maria Betânia + Brasileirinho; A Marvada Carne; Hermeto Pascoal.
www.mensageirosantoantonio.com/messaggero/home.asp – Pesquisa sobre Santo Antônio.
http://ositedossantos.vilabol.uol.com.br/santo_antonio.html - Pesquisa sobre Santo Antônio.
www.primaria-iasi.ro/orase/padova.html - Textos sobre Santo Antônio.
www.riototal.com.br/boanova – Endereço eletrônico do Convento de Santo Antônio, localizado no Largo da Carioca, Rio de Janeiro.
www.santododia.com.br/milagres/santoantonio.htm – Pesquisa sobre Santo Antônio.
www.submarino.com.br - Temas pesquisados: idem.
www.toro.molise.it/public/news/foto/sanantonio2004061901.jpg - Foto de uma procissão em homenagem a Santo Antônio, na Itália.
www.yahoo.com.br - imagens – Temas pesquisados: Santo Antônio; Lisboa + Santo Antônio; Padova + Santo Antônio; escravos; negros.
1 - Alceu Maynard Araújo, Folclore Nacional, VII, Melhoramentos, 1964, p. 17 – In: Comunicações & Problemas, vol. 1, n. 1, Recife, ICINFORM, 1965, p. 9-15.
2 A palavra foi pronunciada no sentido de “trabalheira”.
3 [Cruz. De mel com lamúria?] S. f. 1. Pop. Lamentação habitual; queixa astuciosa. 2. Ato ou palavra manhosa, untuosa. 3. Brás., S. Agrado, lisonja. S. 2.g. 4. Pop. Pessoa dissimulada. – Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Aurélio Buarque de Hollanda. Pg. 915.
4 1 – [Do lat. Turinu]. Adj. Relativo a incenso. 2 – Adj. e s.m. Diz-se de, ou espécime de uma variedade portuguesa de gado bovino de uma raça holandesa. – Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Aurélio Buarque de Hollanda. Pg. 1432.
5 Guarampa – O mesmo que “sujeito”. Seu verbete não foi encontrado no Dicionário da Língua Portuguesa.
6 - O Folclore como discurso, In: BARRETO, Luiz Antônio, org. Encontro Cultural de Laranjeiras, 20 anos, Sergipe, Fundação Estadual da Cultura, 1994, p. 39-43, 72
7 A palavra “pagão” deriva do costume das religiões antigas de pagar, expiar culpas em cerimônias, festas, etc., quase todas com o caráter de expiação. Cf. G. Vaccai. Le feste di Roma ântica: miti, riti, costumi. Roma, Mediterranèe, 1986, p.210
8 - O significado da palavra “profano” está na própria vivência cultural da mesma: profani (isto é, fora do templo). Renato del Ponte. Op. cit., p. 18.
9 - Não obstante a negativa de Couto Reis, Capistrano de Abreu, em carta a Alberto Lamego identifica os Guarulhos de Campos aos de São Paulo, que também deixaram povoação do mesmo nome próximo à capital do Estado.
10 - Fernandes, Cornélio: “Etnografia Indígena do Rio de Janeiro”, Bol. Do Museu Nacional, vol. II, nº 4, pág. 18. Rio, 1928.
11
- Teixeira de Melo: Campos dos Goytacazes em 1881. Rio, 1886. Pág. 153. Tradução: “Guarulhos e Guarus eram índios que viviam nas matas do Paraíba do Sul, entre os quais estavam Gio Battista (João Batista) e companheiros, como antes instalados no Rio de Janeiro, foram acolhidos com humanidade e caridade onde uma nova aldeã intitulada pelo santo lusitano diante do campo “...” Junto aos missionários franceses, encontraram então, os italianos. O primeiro entre os Guarulhos por anos depois do ingresso dos co-irmãos (1672), em outra aldeia mais ao oeste (poente), às margens do Muriaé. Outros andaram aos Goitacazes ferozes e antropófagos, para compor novas populações. Um p. Paolo Assunce cuidou do burgo de São Salvador, hoje cidade de Campos”. (Tradução de Fernanda Ramos Wagner – Professora de Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia de Campos).
12 - Oração preservada pela senhora Tacilda Vilemen, da Paróquia de São Benedito. Ela conseguiu catalogar, até 1990, 129 orações e ladainhas (anexos) para diferentes fins, sendo a mais antiga datada de 1728, destinada à cura de pessoas enfermas.
13 - Idem ao anterior.
14 - Há controvérsias sobre a população negra atingida pela Lei Áurea. No Cyclo Áureo, Horácio de Souza cita que, em 1883, Campos tinha 15 mil escravos (pág. 223), mas apresenta as estatísticas de 1888, destacando que na Velha Província eram 268.831 negros (pág. 227). Por certo o levantamento deixou fora os forros, os beneficiados pela Lei do Ventre Livre e os clandestinos, já que os navios negreiros continuaram a chegar mesmo depois de terem sido proibidos pelo Império. Outra coisa curiosa é que, segundo o mesmo autor, a população em 1889 era de 106 mil habitantes (pág. 221). Já no Subsídios para a História de Campos dos Goytacazes, Júlio Feydit cita que no recenseamento de 1873 a população era de 19. 520 e deste total só 11.279 eram livres (pág. 482). Como a população em apenas 16 anos quintuplicou? A dedução é a de que havia muito mais escravos nos aceiros do que se pode imaginar.
15 - A palavra não existe no Novo Dicionário de Aurélio, nem com esta ou outra significação.
16 - Religião dos negros iorubas. Qualquer grande festa aos orixás (Grande Dicionário de Aurélio).
17 - Ponto banto da região de Cabinda, Angola (África).
18 - A TV Globo usou o tema em “Porto dos Milagres”, em 2001, reacendendo o interesse folclórico pela umbanda. Um dos personagens principais era filho de Iemanjá, a Rainha do Mar.
19 - Os pesquisadores eram: Andresa Alcoforado, Raquel Correia de Freitas, Michele Barros dos Santos, Priscila da Silva Gonçalves, Rosália Maria Moreira, Paulo de Almeida Ourives, Marco Antônio Lourenço Feliciano e participação de Alexandro Chagas Florentino.
20 - LUYTEN, Joseph – Folkcomunicação, In: QUEIROZ E SILVA, Robert P. de, coord. – Temas Básicos em Comunicação, São Paulo, Paulinas/INTERCOM, 1983, p. 32-34.
21 O entrevistado não compreendeu o significado da expressão “ex-votos”. Sendo necessário então mostrar a ele, que eu estava me referindo aos milagres de cera, como cabeças, corpos, braços, pernas, etc.